G-Dragon

Mais uma faceta de G-DRAGON: Kwon Ji Yong

Falar sobre G-Dragon é sempre difícil. Com um sucesso claro à frente do BigBang há mais de dez anos, há quem o ame, o odeie ou o ache superestimado. Fato é que ele e seu grupo ergueram a YG Entertainment, hoje uma das maiores empresas coreanas, comprovando um grande êxito comercial. No quesito música, muitas composições suas fazem parte da história do kpop, hinos como “Haru Haru” e “Fantastic Baby” (ou até mesmo a polêmica “Bang 3x”) estarão sempre em listas sobre o gênero. O triunfo de público e crítica fez GD não ser apenas um idol, mas se transformar numa persona única dentro do entretenimento coreano. Um rapper colorido marcado pelo seu timbre agudo, mas muitas vezes sombrio; líder exigente do maior boygroup coreano, mas um hyung gentil, que compartilha declarações para os outros membros do grupo – ou pra família – no próprio Instagram; autor de músicas com tom crítico e contestador, ao mesmo tempo que estoura com farofas de letra e vídeos contestáveis; banca o misterioso postando fotos fumando cigarro (importante pontuar que é nicotina) ou contemplando quadros de arte, mas participa de programas de humor bobo e cheio de zueira. Numa mistura de humildade e vaidade, ele gosta de ser reconhecido, mas sempre agradece qualquer um, até mesmo os juniores, se curvando em 90 graus. Se GD fosse o protagonista de um romance, com certeza seria aquele personagem redondo que ninguém sabe descrever perfeitamente.

Mas GD é o protagonista de uma história. De sua própria e complexa história. Com o hiato do BigBang após a ida do integrante mais velho, T.O.P, para o exército, todos ansiavam pelo comeback do líder como solo. É sua volta desde o lançamento de Coup D’Etat, em 2013, e também pode ser seu último trabalho antes do alistamento militar no ano que vem. Com 30 anos (em idade coreana, internacionalmente ele tem 28) e uma carreira de êxitos, ninguém sabia exatamente o GD traria dessa vez. E, assim como essa resenha precisou de uma introdução gigante sobre seu personagem principal, o contexto de lançamento também foi cheio de peripécias que valem a pena serem contadas.  

 

Uma volta que quase não aconteceu

Depois do fracassado comeback do iKON, um grupo “novato” (que debutou em 2015, mas apenas esse ano lançou seu segundo trabalho) da mesma YG, a empresa tratou logo de anunciar a volta do “Rei”. GD postou em seu Instagram uma foto com um cabelo grande, sem camisa, cheio de maquiagem preta e o que pareciam ser ferimentos. MV novo, lógico.  

G-Dragon caracterizado para o que seria um possível novo MV. (Imagem: reprodução)
G-Dragon caracterizado para o que seria um possível novo MV. (Imagem: reprodução)

Não demorou para anunciarem que o trabalho novo se chamaria Kwon Ji Yong, o nome coreano de Gê-Dragão. 30 anos e um álbum autointitulado. Já se especulava que se veria o “verdadeiro” G-Dragon. O lançamento seria em junho, logicamente no dia 8 – número mítico e da sorte para o idol que nasceu em 18/08/88. A title song se chamaria “Bullshit” (confesso ter ficado com os dois pés atrás com esse nome, ainda mais depois do que aconteceu com o iKON e sua “Bling Bling”). E, no meio de todo o burburinho com o pré-lançamento do álbum, aconteceu algo que nem GD e muito menos a YG esperavam: T.O.P se envolve num escândalo por ter fumado maconha (droga considerada pesada na Coréia, sendo um crime muito grave consumi-la). GD tratou logo de se pronunciar como líder do grupo, em um evento em que o BigBang (os quatro restantes) participava, afirmando que aquilo nunca mais iria acontecer de novo e pedindo para os fãs continuarem apoiando o grupo. O próprio líder já sofreu na pele um escândalo parecido, lá em 2011, e se reerguer exigiu muito dele e da YG. O caso fez a imagem de T.O.P sair de várias propagandas que o BigBang protagonizava, mostrando a alta rejeição por conta do acontecido. Mas a situação se agravou ainda mais, T.O.P foi expulso do exército, perdeu a patente e logo após voltar para casa sofreu uma overdose de tranquilizantes. Foi para a UTI e chegou a ficar a beira da morte. A essa altura, nada mais se falava sobre o comeback de G-Dragon. Nenhuma foto promocional, setlist, nada. Ele ainda iria voltar com tudo aquilo acontecendo? Seu show no Seoul World Cup Stadium, dia 10, tinha dado sold out em 8 minutos, e logo começaria sua turnê mundial. O que ele e a YG fariam?

No dia 7 de junho, a noite, a YG se pronunciou confirmando o comeback. Logo foi ao ar uma imagem com a setlist do EP, e foram divulgadas imagens promocionais para as cinco faixas. Aí, uma surpresa: a ainda desconhecida “Untitled, 2014” estava como title. Não seria mais “Bullshit”. Ninguém entendeu, mas estava todo mundo no aguardo. Às 6 da tarde do dia 8 (6 da manhã aqui no Brasil) saiu o MV de comeback de G-Dragon, três anos depois de seu último lançamento. Para surpresa de todos, o rapper mais idolatrado da Coreia não volta com nada de hip hop ou MV super produzido ou altas maquiagens, e sim com uma balada lenta, emotiva, e um vídeo simples.

 

Kwon Ji Yong: Uma análise

G-Dragon em foto promocional do novo álbum (Imagem: reprodução)
G-Dragon em foto promocional do novo álbum (Imagem: reprodução)

Novamente repito que analisar GD é muito difícil. Ainda por cima ESSE mini álbum. O Kpop no geral é um gênero fascinante, porque todos os artistas podem ser tudo e nada é levado muito a sério. Um boygroup pode lançar música como os oppas fodões numa hora e voltar como uns garotinhos romântico 3 meses depois que ninguém vai questionar quem eles são de verdade, especular sobre “uma mudança repentina”, filosofar sobre o que levou aquilo, não, porque simplesmente todo mundo sabe que nada daquilo é real. Vão ouvir a música e, dependendo de vários fatores, ela pode fazer sucesso ou não. Tudo é maleável e mutável. O BigBang e o G-Dragon seguem também nessa linha, já vimos GD drama queen no seu debut solo, “HeartBreaker”, GD como “ùnico da espécie”, numa mistura de autopromoção e zoeira em “One Of a Kind”, GD romântico e depressivo em músicas como “The XX” ou “Black”, GD reflexivo e contestador em “Coup D’Etat” e até GD Justin Bieber em singles como “Who You” e (vão me matar agora, mas é igual pra mim) “Crooked”. Com um álbum autointitulado se esperava que ele mostrasse um lado mais palpável de si mesmo. Mais “real”. Se em Kwon Ji Yong temos um GD de verdade, nunca saberemos, mas que parece muito ser, isso parece.

Já antecipo logo que esse álbum não é para todo mundo. Aqui temos um G-Dragon um pouco mais “cru”. Se você não conhece kpop e quer se aventurar nesse mundo, eu não recomendo Kwon Ji Yong. Pode parecer um álbum confuso a primeira ouvida, vide a diferença gritante de tons e ritmos das músicas, mas, analisando as letras, vê-se que as canções estão corretamente posicionadas numa crescente, indo da despretensiosa “Intro: Middle Fingers Up” até o ápice com “Divina Commedia”, de longe, a melhor música do EP. Talvez a melhor música do GD. Ou, pelo menos, o apelo mais “sincero”. Mas, antes de chegar nela, vale a pena analisarmos música por música.

“Intro: Middle Finger Up” abre o EP de uma forma inesperada. Trazendo um ritmo alegrinho, e até meio infantil, ele zomba de relações falsas, aparências, e manda todo mundo resolver isso mostrando o dedo do meio. GD não tem medo de citar Seungri (o maknae do BigBang) ou seu nome verdadeiro, é uma música aparentemente boba, mas que tem uma mensagem por trás. Uma maneira curiosa de começar.

Bullshit”, a próxima, era definitivamente um single da YG. Batida trap misturada com eletrônico, refrão seguindo a famosa língua da empresa com os indefiníveis “bow wow wow” (isso era o latido do cachorro? Fica a reflexão), hip hop de oppa fodão. E aqui começa minha teoria sobre porque, do nada, essa música não foi a title, sendo que ela tinha tudo pra ficar no topo do Melon por um mês. A rede mundial de computadores já admitiu que GD mudou dessa para a pessoal “Untitled, 2014” em uma homenagem a T.O.P, fazendo alguma relação que altera a letra romântica para uma mensagem de apoio ao amigo. Acho bonito e é uma possibilidade, mas, o que parece mais plausível para mim, é: o MV de “Bullshit” deveria ter várias alusões a drogas, como alguns MVs do BigBang tem, e isso era definitivamente o que a YG não precisava nesse momento. Na foto mostrada acima, postada pelo próprio GD, ele está com um cigarro na mão. Essa foto foi apagada do Instagram. A balada que virou single era o TERCEIRO MV desse comeback – como comprova um post do próprio YG no instagram, com as hashtags “#3rdMV” e “GDslowsong” –, que acabou virando single único.

Reprodução da postagem do próprio Yang Hyun-suk, dono da YG, no Instagram.

Os outros dois MVs, infelizmente, talvez nunca vejamos. Falando da letra de “Bullshit”, é novamente GD revoltadinho, pedindo para todos gritarem besteiras (as “bullshits” do título) em meio a palavrões, auto afirmações, o já clássico “get your crayon crayon” e até uma rima bizarra em espanhol (“¿qué pasa?” com “mi casa”). O idol utiliza novamente a ironia pra jogar comentários sobre si mesmo no meio da música sem chamar atenção, coisas como “G ain’t no bullshit, bitch I’m real” ou “Nasci incrível, mas minha vida é uma merda”, numa tradução livre. Seria uma title farofa mas com vários subentendidos.

Super Star” traz um título auto explicativo. Aqui GD coloca novamente a cara no sol e assume a si mesmo como eu-lírico da música, fala de seu carro, de sua casa que é uma galeria, comenta que trabalha em suas músicas, nos anúncios, nas turnês mundiais, mas que mesmo com tudo isso, é uma pessoa muito solitária. O melancólico refrão “I need somebody/ I ain’t got nobody”, ou até quando apela “Any got damn body”, reflete a solidão do autor, sob ritmo de um instrumental pop ao fundo. Essa contradição de ritmo e letra marca as músicas do EP até aqui. Apesar da vida de luxos, ele não consegue ninguém para ficar ao seu lado. Fazendo uma digressão, podemos comparar o caso de GD com o de seu companheiro de grupo e melhor amigo Taeyang, que, espertamente não expondo isso, mantém um relacionamento sério há anos. Ao contrário do líder, que cada moça que arranja é um escândalo diferente. “Super Star” é um atestado de solidão.  

 

 

Chegamos finalmente à titleUntitled, 2014”. GD canta uma balada em que se destaca apenas sua voz nasalada e um som marcante de piano. A letra fala sobre um relacionamento frustrado, que deve ter acontecido em 2014, e o idol aparentemente abre o coração, diz que falou bobagens e que talvez ela nunca volte, mas que seria hipócrita se desejasse felicidade para ela longe dele. Ele pede para eles se amarem de novo, como já fizeram antes. É uma letra bem bonita e parece sincera, vide o histórico do idol com relacionamentos. A voz dele está bem postada na música, que valoriza seu timbre. O MV é simples, com apenas GD cantando e umas luzes ao fundo. A parte mais marcante fica por conta do piano invisível que ele faz no final. Mesmo assim, é a música com a letra mais dentro da caixinha do álbum, talvez a mais genérica. Coração partido não é exclusividade de ninguém, e Gê-Dragão já cantou baladas bonitas antes. Repito, isso não tira o mérito da música. Aliás, até li comparações como “É a ‘Eyes Nose Lips’ do GD, só que pior”, o que acho extremamente injusto de se dizer, vide que GD e Taeyang são pessoas totalmente diferentes e com propostas também opostas. GD nunca ousaria soar como o amigo, assim como a recíproca se faz verdadeira.

Mas agora, finalmente, vamos a melhor música do EP, que me conquistou logo de cara, mesmo antes de eu ler a letra. “Divina Commedia” já chama atenção pela referência explícita a epopeia de Dante. Assim como o protagonista teve que entender o que era o inferno, GD parece estar na mesma fase. Quando a música começa a tocar, soa como algo que você já ouviu antes — preciso nem citar nomes –, e o idol começa cantando suavemente. Mas a canção acelera um pouco até chegar no seu ápice, em que ele grita diretamente para sua mãe. A quem mais recorrer quando se está no auge do desespero? Ele não entende porque todos estão sendo punidos. Entre “divina commedia” jogado várias vezes durante a música, “please, heal me” e outras súplicas, GD traça uma dor profunda em 3 minutos e 40 segundos. Não vale a pena e nem traria o mesmo significado eu comentar a letra inteira aqui, todos tem que ouvir e sentir por conta própria. Mas há algo que é válido explanar. Ele já havia colocado imagens do ótimo Show de Truman – o melhor filme de Jim Carrey pra mim – em seu Instagram, e nessa música o idol repete a frase icônica do longa: “in case I don’t see ya, good afternoon, good evening, and good night”. O que ele quis dizer com essa referência, que tudo é uma mentira? Que se sente preso, vigiado, monitorado? Parece que Dante finalmente está reconhecendo o inferno.  

Ao final, tudo que foi dito aqui não passam de interpretações. Mas, para mim, não faria sentido ele está inventando tudo isso. Ou criando dramas e angústias nesse nível. Por que se despir assim se você pode ganhar o mesmo dinheiro — ou mais — com uma farofa genérica qualquer? Acho que, com Kwon Ji Yong, conhecemos uma nova faceta de G-Dragon, o que não quer dizer que ele seja melancólico e depressivo constantemente, mas isso é algo que também faz parte dele. Só um artista na posição de GD tem liberdade e ousadia para lançar algo tão experimental e pessoal assim. E  para disponibilizar a versão física do álbum em um USB também.

O álbum Kwon Ji Yong em sua versão física. (Imagem: reprodução)

 

9 comentários sobre “Mais uma faceta de G-DRAGON: Kwon Ji Yong

  1. “Por que se despir assim se você pode ganhar o mesmo dinheiro — ou mais — com uma farofa genérica qualquer?” é meio óbvio o porque, ele está gritando pedindo ajuda por dentro, como ele fala em “superstar” aos 3:32 “somebody help” a vida dele deve estar tão conturbada que ele está sendo obrigado a colocar uma mascara de “está tudo bem” quando não está.

  2. Ótima interpretação! Mas a minha favorita acho que é Untitled. Da primeira vez que ouvi o álbum fiquei meio confusa, justamente por ele mostrar tantas facetas, ele não segue uma linha do tipo, ‘álbum melancólico’, ‘álbum pra festejar’. E acho que você tem razão, são os lados da personalidade dele, nem sempre depressivo.

  3. Eu me identifico muito com Divina Commedia, eu tenho uma forte conexão com essa música, principalmente no refrão. Realmente, em algum momento da nossa vida a gente vai se pegar em um canto chorando e clamando pelas nossas mães como na cena de um filme onde, por mais que queiramos tirar isso de dentro da gente, nós deixamos preso para não preocupar ninguém — “don’t worry by me”,
    esbravejou o menino KwonJiYong —, eu sinto isso a cada vez que eu escuto essa música e cada vez mais.

  4. Eu estava vagando pelo YouTube e vi um vídeo legendado intitulado “Divina Commedia” sendo do Gdragon, só a thumbnail eu achei bastante melancolica e fiquei mt “????” por ser o Gdragon, e esse foi o primeiro álbum que escutei dele e nossa, ouvi e li a tradução da música mas sabe aquele momento que vc entende mas ao mesmo tempo não entende?? Eu tentei deixar de lado mas não conseguia parar de pensar nela, no quanto um canto q eu julgava superficial se abriu tanto e jogou tantos enigmas. Fui atrás de assistir “O show de Truman” e estou lendo Divina Commedia e cada dia que se passa essa música se torna puramente algo que eu sinto. Ela é tão profunda e não de um jeito pretensioso sabe? Aaah estou cada dia pagando com meu pré julgamento desse homem e cada vez admirando mais.

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