Pensando demais sobre Gossip Girl, ou “De jeito nenhum todo mundo nessa série é hétero”

Todo mundo que me conhece sabe que Gossip Girl, aka The Blair Waldorf Show, aka um drama teen muito dark sobre como Dan Humphrey é um sociopata disfarçado de série da CW, é uma das minhas séries favoritas. O drama, a estética, o amor por Nova York, os romances, as amizades, os enredos absurdos, o drama, o drama, o drama – Gossip Girl é o que assisto quando preciso de reconforto ou animação, um abraço da minha adolescência dramática. O único (ok, não único, mas principal) problema de Gossip Girl é: a série quer muito que a gente acredite que todos os personagens são heterossexuais. E, olha, eu vi a série toda várias vezes (mais do que qualquer pessoa que fez a série, provavelmente) e posso dizer, com certeza e propriedade, que de jeito nenhum todos esses personagens são héteros.

Tendo pensado nesse assunto com frequência e afinco nos últimos dez anos, tendo compartilhado minhas opiniões no Tumblr e com amigas que se dispuseram a ouvir meus sentimentos, chegou a hora de aproveitar esta plataforma para o post mais autoindulgente possível. A seguir, meus headcanons sobre a sexualidade dos personagens principais de Gossip Girl. Sintam-se à vontade para discordar, mas, Blair Waldorf que sou, provavelmente não vou mudar de ideia.

(Um disclaimer: os personagens de Gossip Girl são pessoas horríveis, é um fato inegável, e a maior graça da série. Minha interpretação deles como queer não iguala a queerness a eles serem horríveis; eles só são horríveis de qualquer jeito.)

Xoxo, Gossip Girl.

 

CHUCK BASS

Chuck Bass dizendo "I'm Chuck Bass" em Gossip GIrl

Vamos começar com o mais simples, porque estou de acordo com o que é canonicamente confirmado: Chuck Bass é bissexual e nada me convencerá do contrário. Nos livros (que não vou explorar a fundo aqui), ele se relaciona abertamente com homens e mulheres; na série, vemos ele com mulheres o tempo todo, até que, na terceira temporada, ele beija um cara e diz, claramente, que não foi a primeira vez. É o suficiente para meu desejo por representação bissexual? Não. É o suficiente pro meu headcanon ser canon? É.

 

BLAIR WALDORF

Blair Waldorf dizendo "Haven't you heard? I'm the crazy bitch around here."

Chuck mereceu um parágrafo simples, Blair vai merecer textão. Também está na categoria “bissexual e nada me convencerá do contrário”, mas dessa vez talvez eu tenha que convencer vocês. Então deixem-se levar para um passado não tão distante, para a vida desses personagens um ano antes da série começar, para a prequel imaginada do meu coração:

Blair, ambiciosa e teimosa como a conhecemos, tem menos poder. Seu relacionamento com Nate é bonitinho, um namoro quase infantil sem atração, sem (como a própria Blair diz na segunda temporada da série) sparks. O fogo, a emoção, são reservados para a outra pessoa mais importante na vida de Blair, sua melhor amiga, Serena. Não é a Serena reabilitada que conhecemos na série, a Serena romântica e avoada e boba; é a Serena do passado (“é velha Blair, depois nova Blair, que nem era a velha Serena e depois a nova Serena, é muito difícil de acompanhar”, Dorota nos lembra), ainda avoada, mas a rainha do colégio, a party girl inveterada, o olho do furacão que arrasta todo mundo junto, principalmente Blair, sua fiel escudeira Blair, que deseja com toda a força do seu coração mas ainda não aprendeu a agir. Blair é, sem sombra de dúvida, apaixonada por Serena, por mais que não queira ser. E Blair, como a perfeccionista Type A e queer que é, reforça suas obsessões por decoro e perfeição, tenta aprender e repetir todas as regras da performance correta de feminilidade heterossexual, segue os limites à risca porque não tem a liberdade e a segurança da Serena para torná-los mais fluidos sem medo do que isso significa.

Blair e Serena rindo juntas.

Todo mundo situado? Todo mundo vendo uma festa do Upper East Side mais descontrolada e menos sofisticada do que as que acompanhamos na série, uma festa escondida no apartamento dos Van der Woodsen enquanto Lily viaja com um namorado, uísque caro misturado com vodka barata, Nate e Chuck chapados com as cabeças encostadas num sofá (e voltaremos para esse detalhe mais pra frente), Georgina Sparks dançando em cima da mesa, Dan Humphrey de penetra tentando não ser notado e digitando freneticamente num celular? Percorremos a festa e encontramos Blair, sentada sozinha na ponta da cama de Serena, retocando a maquiagem e ajeitando o cabelo, mas na verdade só respirando fundo e tentando recriar no rosto a máscara necessária para voltar para a festa, dando um gole na taça de champagne que roubou do esconderijo secreto da Lily (que ela sabe onde é desde que, anos antes, ela e Serena o encontraram enquanto experimentavam roupas). Serena entra, toda sorrisos de quem bebeu um pouco e finge que foi muito, toda carinho e carência, se joga ao lado de Blair e a derruba junto, rindo; Blair protesta, ri constrangida, tenta se levantar, mas Serena a derruba de novo. Elas se beijam, rápido, e Serena gargalha, faz uma performance enorme para dizer que foi tão engraçado, que loucura!, ela está tão bêbada!, vai embora; mas o mundo da Blair muda para sempre.

É isso que dita os eventos que conhecemos tão bem, Serena e Nate no Campbell Apartment, aquele vestido esvoaçante e a garrafa de champagne. Serena não está apaixonada por Nate, nem pela Blair. Serena só está apaixonada por si mesma, mas precisa fingir que não lembra do que aconteceu e do que ela sabe, precisa agir com Nate porque ele também é apaixonado por ela (claro, quem não é?). Blair, devastada, por razões que todo mundo supõe errado.

Ufa! Convencidos? Blair, cujo amor ou atração por homens não é realmente questionável, mas que é capaz desses mesmos sentimentos sem a restrição da heterossexualidade. Blair Waldorf, rainha bissexual perfeccionista do meu coração.

 

SERENA VAN DER WOODSEN

Serena posando e sorrindo.

Já que aqui estamos, vamos falar de Serena. Para começo de conversa, saibam que não sou a maior fã dela e não serei especialmente generosa em minha interpretação. Aos fãs de Serena, desculpe desde já.

Toquei no ponto principal de Serena Van Der Woodsen enquanto falava da Blair, mas relembremos: Serena se ama acima de tudo e todos. Sei que não parece o caso quando ela é a romântica inveterada que se apaixona a cada dois episódios, que faz listas de prós e contras para decidir entre o Nate e o Dan (ok, essa cena ainda é maravilhosa), que casa com o Dan na finale mesmo que ele seja a Gossip Girl (aggggggghhhhhh) (minha raiva disso tudo fica para outro post). No entanto, o que Serena ama é, principalmente, seu reflexo no olhar dos outros; ela ama ser amada, ama o quanto seu sorriso deslumbrante faz todo mundo correr atrás dela, ama o tempo parando ao seu redor quando ela joga uma cascata de cabelo dourado para o lado (não sou a maior fã da Serena, mas não nego sua deslumbrância). E, ainda mais do que isso, ama quando algum cara vai um pouco além disso, diz que a acha interessante ou inteligente, permite a ela a ilusão de que é amor verdadeiro, que ele é inteiramente dedicado a ela como um ser humano completo, que não é superficial como ela está acostumada (e, supostamente, que a deixa entediada; mas, como a série mostra, o que a entedia é ficar sem atenção).

Serena é, realmente, heterossexual. Tudo bem, acontece nas melhores famílias. Mas, consumida pela necessidade profunda de ser desejada e amada por tudo e todos, Serena com certeza deu trela para garotas apaixonadas por ela (vide: trecho sobre Blair) para mantê-las em órbita; também, com certeza, beijou garotas em público por atenção masculina e passou horas depois dizendo que tinha sido uma loucura e wow tão absurdo (evidência canônica: na primeira temporada é fortemente insinuado que ela e Georgina tinham esse hábito; sobre Georgina, mais daqui a pouco).

 

GEORGINA SPARKS

Georgina Sparks dizendo "Your loss of faith in humanity turns me on."

Ok, imaginem: Georgina Sparks, power lesbian. Imaginem: Georgina Sparks,  casando com homens gays e ricos pelo dinheiro e pela aparência, mas namorando e sustentando lindas aspirantes a modelos do Upper East Side. Sim? Sim. Por favor, gente. A série só mostra ela se relacionando com homens, mas a grande maioria dessas relações é visivelmente por conveniência (com o Dan, na primeira temporada, é pura manipulação contra a Serena; os maridos dela são todos caras ricos com quem ela só está pelo dinheiro, como ela deixa bem claro). Resta o Dan na quarta temporada, o que eu vou atribuir a um lapso emocional, porque para ser lésbica você não precisa só ter se relacionado com mulheres a vida inteira, vamos respeitar a identidade da Georgina na minha imaginação!

Georgina dizendo "Well, you can tell Jesus that the bitch is back." ao telefone.

Ok, ok. Resta também Jack Bass, ali no finalzinho, o único casal que eu adoro que tenha ficado junto naquele epílogo. Mas deixa eu propor: mais um casamento platônico, mas eles são genuinamente amigos e se divertem destruindo vidas juntos. Sim? Ok, acho que agora está bom.

 

DAN HUMPHREY

Dan Humphrey tomando café.

Enquanto estamos falando de Dan… A verdade é que Dan é a maior incógnita para mim: eu não consigo descobrir se ele é hétero e se diz bissexual porque acha mais descolado e artístico e porque tudo que ele quer é ser o Chuck (e ignora inteiramente a opressão ligada a identidades não-normativas, porque é o Dan, honestamente), ou se ele é bissexual e se diz hétero porque é obcecado por performar masculinidade heteronormativa.

O centro da questão é se interpretamos Dan como mais alinhado com a Serena – e não no sentido de aparente compasso moral e emocional ingênuo que as primeiras temporadas da série adoram, mas na minha interpretação da Serena – ou com Blair e Chuck. Eu, pessoalmente, gosto de ver Dan como um manipulador cruel e egoísta quase sociopata que, por mais que tente, não consegue (como a Serena consegue) se esconder por trás de uma pose de inocência, que vai sempre mostrar as garras de quem é obcecado por poder e por controlar todos ao seu redor. Ou seja: alinho Dan com Blair e Chuck (inclusive Dan/Blair/Chuck como endgame, por favor, obrigada) e vou, generosamente, dar ao Dan o título de bissexual no armário (o que é direito dele), mas que todo mundo sabe a verdade (porque, afinal, é Gossip Girl). Headcanon bônus: Dan postou como Gossip Girl saindo do armário, fingiu para todo mundo depois que tinha sido uma enorme violação de sua privacidade, aumentou o grau de intriga e mistério ao seu redor (ok, na verdade não funcionou, mas ele tentou).

 

NATE ARCHIBALD

Nate Archibald sorrindo.

Surpreendentemente, o motivo pelo qual comecei a querer escrever este texto foi o Nate. Mais especificamente, a dinâmica entre Nate, Dan e Chuck na segunda temporada (que eu ando revendo), porque o Dan tem um genuíno leve crush no Nate e os ciúmes do Chuck são muito além de ciúmes de amizade. Vamos, então, explorar as camadas dessas interações, levando em conta o que eu já disse sobre Chuck e Dan.

Nate, como Serena, é heterossexual. Ele é um clássico Bro com Coração de Ouro™, a epítome do homem hétero bonzinho (bonzinho mesmo, não Nice Guy™). No entanto, como um BCO™, ele é confortável e seguro em sua sexualidade, sabe? Ele não tá tão afetado por essa de masculinidade frágil, ele não diz nada babaca pra Blair ou pro Chuck (ou pro Dan) sobre a sexualidade deles, ele só dá um sorrisinho e levanta a sobrancelha quando descobre que Dan/Blair/Chuck estão todos se pegando, e… Ok, me deixei levar (e talvez vocês estejam notando que não sou a maior fã de Serena ou Dan, mas tenho um cantinho especial do meu coração pro Nate).

Voltando ao ponto principal: Nate é hétero, mas pegou caras exatamente três vezes na vida (sim, exatamente três vezes, eu falei que já pensei nisso tudo demais). Essas vezes foram: 1. Carter Baizen (sobre quem falaremos em um segundo), chapados num lost weekend antes da série começar; 2. Dan, no verão em que esperavam a Serena tomar uma decisão sobre eles, bem bêbados de cerveja, mas não foi além de um beijos porque o Nate pegou no sono entre beijos no sofá; 3. um aleatório de Columbia que ele achou interessante. Cada uma dessas vezes o Nate achou o momento legal – porque o Nate, como podemos ver pelo histórico dele com mulheres, é que nem um golden retriever e segue o que atrai ele na hora pelo tempo em que interessa – e constatou que não era realmente a parada dele.

Uma dúvida que pode ter surgido agora: e o Chuck? Certamente ele e o Nate…? Mas não, não. Chuck, por mais que ele seja, bem, o Chuck, tem um respeito muito sincero pela amizade que tem com o Nate (sim, eu sei que ele não demonstra da melhor forma, mas tá ali) e nunca insistiria nisso. O Nate, por sua vez, é vanilla demais para ter o mínimo interesse no Chuck – ele gosta de ouvir as histórias de conquista do Chuck e, secretamente, se sente apavorado por 75% delas. No entanto, Chuck nutre um ciúme eterno de Carter Baizen por ter sido o primeiro cara que o Nate pegou; não porque ele tem um crush no Nate, mas porque se era pra ele pegar alguém, o Chuck achava que deveria ter tido a honra.

 

CARTER BAIZEN

Carter Baizen em um bar com Blair Waldorf.

Olha, se Carter Baizen não é bissexual eu não sei mais quem é, honestamente. (Carter/Blair/Chuck também me interessa como OT3 endgame, por sinal.) Não, não tenho mais nada pra falar sobre ele, vocês já sabem que estou certa.

 

JENNY HUMPHREY

Jenny Humphrey suspirando.

Eu desejo, do fundo do meu coração, que quando Jenny Humphrey conseguiu se desvincular o suficiente do Upper East Side, lá na faculdade, ela encontrou uma namorada legal que a incentivou a fazer terapia e ela lidou com os traumas dela e encontrou felicidade. Não sou das maiores fãs da Jenny também, mas acredito totalmente na sua capacidade de crescimento e mudança. E, vamos lá, Jenny Humphrey é certamente lésbica.

Vamos analisar o canon da série: Jenny compartilha do crush fantasioso pela Serena que o Dan também tem, sem sombra de dúvida. E, quando ela se insere nesse mundo, o interesse pela Blair também é, inegavelmente, um crush; o tipo de crush que, após uma rejeição, vira raiva, mas que continua ali, queimando; o tipo de crush que te faz falar da pessoa o tempo todo, seja elogiando seja xingando, até os seus amigos te olharem com aquela cara de “por favor, para”. Na segunda temporada, tentando se distanciar do mundo da Blair (e do seu crush), ela conhece Agnes, a modelo por quem também é claramente apaixonada. Além disso, ela tem o mesmo comportamento que eu observei na Blair, a tentativa de entender e registrar as regras porque ela precisa performar o que ela acredita ser “normal”.

Jenny dizendo "I know it's hard for you guys to understand, but I like being me".

No entanto, ok, ao longo da série, Jenny namora homens (o que, como eu já disse, não impede ninguém de ser lésbica, heterossexualidade compulsória tá aí, homofobia internalizada tá aí, pessoas às vezes demoram para encontrar sua identidade, sexualidade é mais complexo do que parece). Mas… O primeiro namorado dela, cujo nome eu nem lembro, era gay e o namoro era puramente por status: por mais que ela tenha ficado magoada por ter sido usada (com razão!), a mágoa é pela mentira, não pelo desinteresse, já que o interesse dela também era pela função que ele exerceria. Em seguida, ela e o Nate se envolvem e não dá em nada, um caso clássico de crush-que-na-verdade-é-amizade, somado ao crush-que-parece-o-certo, ou seja, quando você diz para todo mundo (e para si mesmo) que tem um crush no cara mais bonito da turma porque parece a resposta certa para a performance de heterossexualidade, mas o sentimento não tá ali. Na terceira temporada, temos Damien, o babaca traficante de drogas, e uma relação que obviamente é motivada por um desejo de rebeldia e não por um desejo sincero pelo Damien (que meu gaydar ainda registra como gay, mas explorar meu headcanon sobre Damien Dalgaard é um pouco demais). E, por fim, Chuck: um acontecimento motivado unicamente por vulnerabilidade extrema, que traumatiza a pobre da Jenny tanto que é a gota d’água para ela ir embora.

Ou seja: brindemos ao futuro imaginado para Jenny Humphrey, estilista de sucesso namorando uma artista e morando no seu próprio loft no Brooklyn, finalmente confiante em quem ela é e no que ela faz.

 

VANESSA ABRAMS

Vanessa fazendo cara de desprezo.
Coitada da Vanessa, nem gif direito encontrei pra ela. ):

Apesar de ser a única personagem mulher a beijar (e provavelmente mais do que beijar) outra mulher, Vanessa provavelmente é hétero. E sem graça. Eu nem tenho nada de divertido para especular, porque ela lida com a pior caracterização da série. Pobre Vanessa.

7 comentários sobre “Pensando demais sobre Gossip Girl, ou “De jeito nenhum todo mundo nessa série é hétero”

  1. Achei interessante! Não conheço a série tão bem, mas acho que concordo com suas análises. Nunca li fic nenhuma de Gossip Girl, mas agora fiquei intrigada para saber como poderia ser isso (inclusive, sua parte da Blair virava fácil uma fanfic, hahaha).

  2. Finalmente deu tempo de ler \o/
    Amei sua análise ^^ Nunca fui muito fã de GG, mas minha irmã assitia e eu acompanhei alguns episódios. A Blair é totalmente bi sem sombra de dúvidas. Mas a Serena eu acho que colocaria no espectro ace em vez de hétero. Exatamente pelos motivos que vc listou: ela tá mais interessada nela mesma e não tem tempo pra perder com quem não encaixa no papel que ela dá pras pessoas.

    Enfim, muito bom o texto ^^

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