Bryan Lee O’Malley e as crises da vida adulta

Se você gosta de HQs, bandas de garagem ruins e intervenções no espaço-tempo, largue o que está fazendo e vá ler Scott Pilgrim Contra o Mundo. Sério. Agora. A série de quadrinhos de Bryan Lee O’Malley faz referência a tudo isso, e ainda por cima com os personagens mais apaixonantes de todos os tempos.

A série, composta por seis livros na versão original em inglês (Oni Press, 2004-2010) e três na edição brasileira (Companhia das Letras, 2010), conta a história de Scott Pilgrim, um jovem de 23 anos que, como a maioria das pessoas que se encontram no fim da adolescência e início da vida adulta, está completamente perdido. Ele dorme cerca de 12 horas por dia, divide com seu melhor amigo gay um apartamento tão minúsculo que só tem uma cama e toca baixo em uma banda horrível, chamada Sex Bob-Omb. Uma verdadeira epopeia começa a partir do momento em que ele encontra Ramona Flowers, a garota dos seus sonhos – literalmente. Para ficarem juntos ele tem que derrotar a liga dos seus ex-namorados do mal, que inclui um ator/skatista famoso, um feiticeiro pirata, gêmeos, um gênio, um baixista vegano, e uma garota.

Acredito que todo meu amor pela história vem não somente das reações hilárias dos personagens, como quando Scott descobre que pão engorda, mas por ela representar tão bem a transição de um período tão conturbado da vida. Eu, ainda nessa fase, já senti na pele o que é não ter como pagar uma pizza, estar presa em um emprego sem graça, me sentir inútil por dormir o dia inteiro ou estar simplesmente tão apaixonada por alguém a ponto de lutar contra o mundo todo para ficar com ela. Os sentimentos impulsivos que contrastam com a típica “vontade de deitar no chão e morrer”, a emoção de fazer parte de algo mesmo sendo considerado sem futuro ou ruim, a perplexidade face ao preço do aluguel.

Em 2010 os quadrinhos foram adaptados para o cinema, com Michael Cera (melhor Scott imaginável) e Mary Elizabeth Winstead (Ramona mais incrível de todos os tempos). Apesar de não conter todos os detalhes da história, os elementos de HQ e videogame foram preservados, e podem ser vistos principalmente nas cenas de luta: onomatopeias escritas na tela e chuva de moedas quando o vilão é derrotado. A adaptação conta também com um elenco poderoso: Chris Evans, Aubrey Plaza, Brie Larson, Mae Whitman, Jason Schwartzman, Anna Kendrick… e isso é só o começo.

Em 2014, O’Malley lançou sua nova graphic novel, Seconds, que só chegou recentemente no Brasil sob o título de Repeteco, também sob o selo da Companhia das Letras. Cinco anos depois do lançamento de Scott Pilgrim, ela vem com uma carinha de prima mais velha, aquela de quase trinta anos que parece ter toda a vida planificada e bem sucedida e que faz você pensar: “nossa, que demais, queria ter a vida dela!”. Pois é… a distância entre os 20 e 30 anos não é tão longa assim, mas contém nesse pouco tempo infinitas possibilidades de erros, acertos, e consequências.

Repeteco é sobre Katie: 29 anos, chef do restaurante Seconds, sucesso na cidade e sempre lotado, e em vias de abrir o segundo, o Katie’s. Apesar da fachada bem estruturada, tanto o prédio quanto ela estão em ruínas: orçamento bem acima do esperado, falta de tempo para organizar tudo, expectativas altas demais que não se realizam, morando no andar de cima e com ciúmes do ex-namorado (esses últimos dois são só a Katie mesmo). De repente, uma garota misteriosa lhe oferece uma chance: mudar o que já aconteceu. E tudo que ela precisa fazer é escrever seu erro em um caderno, comer um cogumelo mágico e dormir… E pronto! Seu erro foi reparado, o passado mudou, e ela não faz mais a menor ideia de como está o futuro.

Novamente, O’Malley traz aos quadrinhos não somente uma história viciante e divertida situada em um universo fantástico, mas algo em cujo recheio nos encontramos: a crise dos 30. O pior já passou, você já se formou na faculdade e conseguiu estabilidade em um emprego, mas todos os seus amigos parecem estar casados e tendo bebês enquanto você continua em um apartamento alugado minúsculo se perguntando todos os dias se fez as escolhas certas. A pergunta mais incômoda e constante em nossa vida, principalmente à medida que crescemos é: “e se?”. E se eu tivesse feito outro curso? E se eu tivesse escolhido largar meu namorado e viajar pelo mundo? E se eu não tivesse bebido tanto ontem à noite? O que seria de mim hoje se eu tivesse escolhido diferente ontem?

Mas calma, não só de crises existenciais são feitas as histórias. Elas são o ponto de partida, de entendimento. Ao refletir sobre nós mesmos e o ambiente no qual estamos situados, podemos compreender muito melhor nosso propósito neste espaço (se é que há algum). Vejo essas questões muito bem desenvolvidas no universo de O’Malley: tanto os obstáculos que atravessamos, quanto as consequências de nossas escolhas, tudo para chegarmos em um ponto onde entendemos e aceitamos que somos o resultado de um longo caminho. O importante é não parar de caminhar.

Um comentário sobre “Bryan Lee O’Malley e as crises da vida adulta

Deixe uma resposta para Denise Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *