Striga: o grito de mitologia em Academia de Vampiros

Academia de Vampiros

O sobrenatural é uma constante no imaginário humano. Desde os primórdios da espécie, homens, mulheres e crianças criam narrativas para explicar o inexplicável, seja ele um fenômeno natural ou um medo extraordinário. A partir dessa capacidade de criação, vários personagens mitológicos surgiram em diversas culturas, e muitos ainda são protagonistas de narrativas modernas.

Em Academia de vampiros, de Richelle Mead, por exemplo, entramos em contato com antigas lendas eslavas, numa releitura das mitologias vampirescas adequadas ao nosso contexto contemporâneo. Nos seis livros da série (O Beijo das Sombras, Aura Negra, Tocada pelas Sombras, Promessa de Sangue, Laços de Espírito e Último Sacrifício), lançada nos Estados Unidos em 2007 e finalizada em 2010, acompanhamos as vidas das duas protagonistas, as melhores amigas Rose Hathaway e Lissa Dragomir.

Toda a coleção foi lançada no Brasil pela editora Agir. Além disso, os livros com compõem um spin-off de Academia de vampiros, Laços de sangue, que é narrado por outros personagens, mas que estão dentro do mesmo mundo, também foram lançados no país pela Seguinte. Em 2014 foi lançado o filme baseado no primeiro volume da série, seguindo uma energia mais adolescente do que os livros, mas que já dá um gostinho de todo o universo mitológico (re)criado por Mead.

À primeira vista temos um corriqueiro romance de colegial, uma tragédia familiar, duas melhores amigas com personalidades bem distintas, um interesse amoroso proibido, dramas envolvendo garotas populares, nada demais. Ah, eu mencionei que elas estudam na Academia São Vladimir, internato só para vampiros? Pois é, além dos dramas humanos, ainda existem os problemas sobrenaturais.

Rose, a narradora, é uma dhampir, metade humana, metade vampira. Sua espécie tem uma única função: garantir a segurança dos Moroi, vampiros mortais com poderes mágicos ligados aos elementos da natureza. Lissa, por sua vez, é uma dessas vampiras, membro da realeza e a última de sua família. Ambas frequentam São Vladimir e, enquanto os Moroi aprendem sobre sua magia, os dhampir treinam para se tornarem guardiões.

A série começa com Rose e Lissa em fuga, a Moroi com a saúde mental debilitada após perder sua família, e a dhampir fazendo de tudo para manter o bem-estar de sua melhor amiga, mesmo que isso signifique abandonar a Academia. A direção da São Vladimir, porém, não mede esforços para encontrar as duas garotas, e logo elas se veem de volta rodeadas pelos muros do internato.

Não satisfeita e ainda preocupada com Lissa, Rose faz a única coisa possível: decide treinar como nunca para recuperar o tempo perdido fora da escola e se formar com êxito para proteger Lissa. Para isso, ela conta com a ajuda de Dimitri, o guardião russo que foi designado para a proteção da herdeira Dragomir, que nota uma ligação de espírito entre as duas garotas e decide treinar Rose ele mesmo.

Dimitri é… Dimitri. Com seus cabelos na altura do ombro, o sotaque russo, o físico invejável e a seriedade de um guardião a altura da realeza Moroi, ele chama atenção por onde passa, inclusive a de Rose. Seria uma pena se ele fosse um instrutor sete anos mais velho e designado para cuidar da mesma Moroi que Rose, não é mesmo?

Enquanto luta contra seus próprios sentimentos, a dhampir também enfrenta as batalhas de Lissa, buscando entender as origens dos estranhos poderes de sua amiga e livrá-la dos sentimentos ruins, enquanto novos conflitos familiares e da realeza se formam.

Durante o primeiro livro e, principalmente, no decorrer da coleção, também conhecemos os Strigoi. Enquanto os Moroi podem ser considerados os “vampiros do bem”, os Strigoi estão do lado oposto, vampiros que renegam seus poderes e se tornam assassinos sem alma.

Striga, a palavra romena para “grito” e “coruja”, originou o nome da raça maligna, seres atormentados sedentos por sangue, que vagam pela eternidade deixando um rastro de morte atrás deles. Não por acaso, os vilões de Richelle Mead têm o mesmo nome da espécie sobrenatural da mitologia romena. A autora se inspirou nas antigas lendas para construir o universo de suas histórias.

Ainda na mitologia romena, também existem Moroi. Nas histórias antigas, eles são outra criatura vampiresca, associada muitas vezes com os Strigoi e lobisomens, sendo mortais, mas também se alimentando da força vital de seres vivos através do consumo de sangue.

Os dhampir de Academia de Vampiros também são baseados em personagens folclóricos. Os balcânicos acreditavam que os vampiros teriam grande desejo sexual por mulheres humanas, e o fruto de seus relacionamentos seriam os dhampirs, ou dampiros, seres híbridos entre as duas espécies. No folclore balcânico, os dhampir seriam caçadores de vampiros que utilizavam suas habilidades sobrenaturais para destruí-los, um pouco diferente do que acontece em Academia de vampiros, em que os dhampir são aliados dos Moroi, responsáveis pela proteção da espécie, usando seus poderes para livrá-los dos ataques de Strigoi.

Não só a mitologia do leste europeu é explorada pela autora, mas também histórias cristãs, como a de São Vladimir e da princesa Ana, que foi adaptada ao enredo vampiresco e é de grande importância para a narrativa.

Na história cristã, Vadimir de Kiev foi um nobre eslavo canonizado pelas igrejas Católica e Ortodoxa pelo seu importante papel na cristianização de Kiev, ao lado de sua esposa, a princesa Ana do império bizantino. No universo de Mead, porém, o santo era um Moroi de poderes únicos, que, ao lado de sua guardiã, Ana, com quem parecia ter uma ligação forte, concedia milagres em Kiev e espalhava a palavra de Deus e os ensinamentos sobre as espécies de vampiros.

Um paralelo é traçado entre essa releitura cristã e as protagonistas: Lissa, assim como Vladimir, possui poderes nunca vistos, e Rose, assim como Ana, possui uma ligação sobrenatural única com sua Moroi, sendo capaz de ver através dos olhos de Lissa e ler seus pensamentos.

Mesmo não sendo devota de nenhuma religião, a narradora se apega a história de São Vladimir e Ana e a usa não apenas como pesquisa para compreender melhor os poderes de Lissa, mas também para saber mais sobre os desafios de ser amiga e guardiã de alguém tão especial, muitas vezes usando os ensinamentos dos dois personagens cristãos para aprender a lidar com seus sentimentos em relação a Lissa, ela mesma, Dimitri e outros personagens.

Nessa mistura de mitologias, Richelle Mead conta mais do que uma história de vampiros ao explorar muito as emoções humanas, em especial, todos os tipos de amor – o romântico, o familiar, o próprio, às tradições, à religião, aos ideais e, acima de tudo, o da amizade verdadeira – e mostra que, apesar deste ser um sentimento lindo, é também o mais complexo de todos.

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