Antes de amar literatura, eu amo música. Fui uma criança que, desde cedo, teve contato com bandas como Legião Urbana, The Police e U2 (cito essas, pois são as que mais me lembro de escutar em viagens de família). A partir da adolescência, a música tomou parte da minha vida. Hoje, são raras as vezes que consigo escrever sem uma trilha sonora (que vai de rock suave a músicas instrumentais). O barulho externo ainda é algo que me irrita, mas quando a música chega – às vezes, a música certa – tudo muda, inclusive o meu humor.
É por isso que narrativas que ofereçam o cenário musical de algum modo me conquistam logo de cara. Podem estar dispostas em livros, seriados ou filmes. O importante é que a música não seja o complemento da história, mas esteja na história como uma personagem fixa. Como vai acontecer, para mim, pouco importa, desde que eu sinta que é verdadeiro. Pode parecer bobo, mas acho que todos que somos sensíveis a notas musicais sabemos distinguir uma canção verdadeira daquela que existe para apenas estar ali.
As canções de filmes, cujas premissas são oferecer a música como um elemento ativo, não estão apenas ali, pois não são o plano de fundo. As personagens trazem as guitarras, os violões, as baterias e tantos outros instrumentos como parte de quem são – ou parte de quem se descobrem ser. Acompanhar a descoberta desse amor imaterial sempre me emociona.
O grande responsável por eu gostar desse gênero fílmico foi Once (Apenas uma vez, 2007), no início de 2014. O diretor irlandês John Carney, após Once, dirigiu outras duas histórias com premissas musicais: Begin Again (Mesmo se nada der certo, 2013) e Sing Street (2016).
Para mim, Once ainda é uma obra de arte completa, em especial porque o real objetivo não é fazer o espectador torcer romanticamente pelas personagens. Além da trilha sonora certeira, a storyline é confortável. Como não bastasse os protagonistas serem artistas musicais reais – Glen Harsand é cantor em diversos projetos musicais paralelos, e Markéta Irglová, da República Checa, é compositora e instrumentista –, o enredo é suave, quieto e simples, mas vai crescendo conforme as músicas nascem no decorrer das situações. É emocionante e visceral acompanhar como a trilha sonora costura a narrativa.
Se Once parece não engatar de primeira, Begin Again traz três queridinhos que convencem pela popularidade: Keira Knightley, Mark Ruffalo e Adam Levine. “Lost Stars”, que tem duas versões (uma na voz de Adam, e outra, na voz de Keira), é uma das minhas canções preferidas. O significado dela é algo marcante na minha vida. Pode parecer, a princípio, um filme que existe pelo fato de querer ser um “efeito” nas vidas das pessoas. Mas, muito mais do que isso, Begin Again convence porque é verdadeiro. Fala de música – mas fala das relações humanas, do egoísmo, do amor, da dor e da culpa.
Também sobre relações é Sing Street, focado nos anos 80 e em diversas referências musicais. A música, aqui, não está somente naquilo que as personagens cantam – está presente em clipes que passam em TV’s de tubo, nos visuais e nos comportamentos das personagens. A transformação que as composições provocam no contexto do filme é muito humana e convence por mais impactante do que a sutileza.
A música pode não conquistar por muitos motivos, mas o legado que ela constrói é inesgotável. Assim como estes filmes mostram, a esperança vem de toda e qualquer fonte. Podemos não ser convencidos pelas storylines, mas as notas musicais continuam mesmo depois dos créditos.