Taylor Swift: entre hits e clássicos da literatura

Helvio Caldeira* e Isadora Ferreira

 

Taylor Swift: uma cantora talentosa, uma super compositora, um gênio do marketing e da publicidade, um dos maiores nomes da indústria musical e também uma grande fã de livros.

Como muitos de nós, Taylor é fã de Harry Potter e do escritor John Green, está sempre reclamando de não ter tempo suficiente para ler e usa a leitura como uma forma de exercitar a imaginação. Tanto que a literatura é parte constante de suas composições. Seja a velha ou a nova Taylor, a presença de diversas referências literárias em suas músicas é constante e apresenta para seus fãs e ouvintes alguns dos principais clássicos da literatura de língua inglesa.

Como grandes fãs de literatura e da própria Taylor, decidimos listar essas referências aqui e falar um pouquinho desses livros que certamente foram muito importantes para a cantora.

 

Love Story / Romeu e Julieta

GIF de Taylor Swift olhando para trás no clipe de "Love Story"

Falar de “Love Story” sem mencionar Shakespeare é uma tarefa praticamente impossível. Do início ao fim, a canção é recheada de referências ao nosso amado Bardo, mais especificamente à história de Romeu e Julieta. Para além de um clipe claramente inspirado pela história do jovem casal de amantes, a música que levou Taylor ao topo das paradas musicais de todo o mundo é praticamente uma versão 2.0 do clássico shakesperiano. Logo no início, a cantora conta que ela e seu amado eram muito jovens quando se conheceram, além de estar parada na “sacada no ar de verão” enquanto o espera. Parece familiar?

E as referências não acabam por aí. Mais para a frente, Swift canta: “mal sabia eu que você era Romeu (…) E meu pai te disse: fique longe da Julieta. Eu comecei a chorar na escadaria, implorando: por favor, não se vá!” Todo o drama da história de Julieta e de Romeu ganha um novo ar nas mãos da cantora e compositora, que suplica, assim como a filha única dos Capuletos, que Romeu não a deixe ficar sozinha. É brega, é dramático, é lindo de um jeito que só Shakespeare – e Taylor Swift – são capazes de narrar.

Um paralelo com outra grande história da literatura logo na segunda parte da canção. Enquanto afirma que o garoto por quem é apaixonada é uma espécie de Romeu, Taylor explica que ela é “uma letra escarlate”. A expressão, que pode passar batida por muita gente, diz respeito à marca bordada no peito da personagem Hester Prynne do também clássico A letra escarlate, escrito pelo estadunidense Natahniel Hawthorne em 1850 como uma forma de criticar o puritanismo da sociedade com uma linguagem afiada e muito humor negro. Na história, a moça é marcada com a letra A no peito e sofre constantes represálias por ter cometido adultério e desafiado as normas sociais daquele tempo. Nada como uma boa metáfora para falar de si como alguém com uma reputação ruim (ou motivo de vergonha pública), mas que no final dá a volta por cima.

PS: Ainda sobre as relações entre Shakespeare e Taylor Swift, alguém muito genial formulou uma espécie de teste com citações conhecidas de ambos os artistas para que a gente adivinhe se o autor da frase de efeito em questão é o autor inglês ou a princesa do pop. Vale conferir!

 

New Romantics / A letra escarlate

 

GIF de Taylor dançando no palco com um grupo de dançarinos, no clipe de "New Romantics"

Já em “New Romantics”, a mesma história de A letra escarlate assume um novo sentido – brilhante, por sinal. Para quem está familiarizado com a canção, não é muito difícil perceber que Taylor praticamente entoa um hino para as pessoas da nossa geração. Aqui, a artista expressa os tédios, cansaços e angústias da nossa juventude, além de gritar tudo o que queremos dizer para o mundo com o seu refrão poderoso: “Corações partidos são nosso hino nacional/ Nós o cantamos com orgulho / Estamos ocupados demais dançando / Para sermos derrubados / Baby, somos os novos românticos / As melhores pessoas da vida são livres”.

Antes de falar do ponto em que A letra escarlate é mais uma vez usado como metáfora, vale uma breve contextualização para entender melhor a música. Para quem não sabe, o New Romantic foi um movimento comportamental e musical que aconteceu no início da década de 1980 e atingiu seu ápice no Reino Unido e Irlanda. A revolução dos chamados novos românticos mexeu com a moda, os hábitos e a toda a cultura da época – e é óbvio que isso também se materializou nas músicas daquele tempo. Batidas eletrônicas dançantes e  o uso pesado de sintetizadores são alguns dos elementos mais marcantes do estilo, que, adivinha, também embalam o som da canção de Swift (se há uma coisa que a garota possui, isso se chama referências).

Mas onde o livro clássico A letra escarlate entra nessa história? Ora, logo nos versos iniciais, Taylor canta que ela e toda a geração de novos românticos exibem suas marcas, como na obra de Nathaniel Hawthorne. Se no livro a marca é utilizada para apontar o adultério da protagonista e manchar sua imagem perante a sociedade, na canção, Taylor subverte o sentido da coisa e prova que dá, sim, para reverter a situação e usar uma reputação manchada como motivo de orgulho.

 

Wonderland / Alice no País das Maravilhas

GIF em preto e branco de Taylor cantando "We found wonderland" em um show.

Em “Wonderland”, faixa bônus da edição deluxe do 1989, Taylor, como Alice, cai na toca do coelho branco e encontra o País das Maravilhas. A analogia com a obra infantil de Charles Lutwidge Dodgson, assinada com o pseudônimo de Lewis Carroll, vai muito além do título da canção e já começa a ganhar forma no primeiro verso: “Luzes piscando / E nós viramos numa curva errada / E caímos em um buraco de coelho.”

Essa queda na toca do coelho leva Alice, e também Taylor, para um mundo desconhecido de sonhos absurdos e caos, talvez por curiosidade – a própria cantora pergunta no pré-refrão “Não sabe o que dizem sobre mentes curiosas?” –, talvez também por acidente, uma curva errada.

No livro de Dodgson, sua protagonista experiencia coisas no País das Maravilhas que ela não consegue compreender, mas ao mesmo tempo sabia que era algo novo e inspirador. Em “Wonderland”, a cantora parece seguir o mesmo raciocínio – “Tudo não parecia novo e excitante?” –, mas de uma forma mais particular e madura do que a retratada no livro infantil, uma vez que seu País das Maravilhas é um relacionamento repleto de altos e baixos e reviravoltas.

No refrão, Taylor encontra Wonderland, “e a vida nunca foi tão ruim e tão boa”, mais uma vez algo que lembra bastante as aventuras de Alice, que passou por momentos difíceis durante sua jornada, mas também períodos de grande felicidade e euforia.

Mais adiante na música, podemos perceber que Taylor se diz observada: “Então, nós seguimos nosso caminho / Apaixonados demais para pensar direito / Sozinhos, era o que parecia / Mas havia estranhos nos assistindo”, o que pode remeter às cenas da adaptação de Alice no País das Maravilhas pela Disney, em que o Gato Risonho observa secretamente toda sua viagem.

GIF do Gato Risonho desaparecendo.

O Gato, personagem malicioso da obra de Dodgson que desaparecia e mudava de forma sem aviso, é citado também em “Você não acalmou meus medos com seu sorriso de Gato Risonho?”. No caso de Taylor, podemos imaginar que seu par na jornada pelo País das Maravilhas, o seu “Gato”, também passava longos períodos longe dela e que, talvez por isso, haviam grandes mudanças nos sentimentos dos dois.

“É tudo diversão e jogos até que alguém perde a cabeça.” Aqui, é possível lembrar de Alice no País das Maravilhas de duas formas: Primeiro, lembramos de uma outra personagem da obra, a Rainha de Copas, que parecia gostar muito de uma guilhotina e mandava cortar a cabeça de todos que a contrariasse, sendo uma de suas vítimas o Gato Risonho, após um jogo de críquete.

“Perder a cabeça” também nos leva a um tema recorrente no livro: a loucura, que se revela mais uma vez na música de Swift, em “E no final, nos País das Maravilhas, nós dois enlouquecemos”. No fim, naquele lugar (Alice), naquele relacionamento (Taylor), tudo e todos era louco, mesmo que eles não esperassem por isso e mesmo que eles não quisessem aceitar.

“Mas eu não ando com loucos”, observou Alice.
“Oh, você não tem como evitar”, disse o Gato, “somos todos loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca.”
“Como é que sabe que eu sou louca?”, disse Alice.
“Você deve ser”, disse o Gato, “senão não teria vindo pra cá.”

 

Getaway Car / O conto das duas cidades

GIF de Taylor, de cabelo escuro e óculos retrô, abraçada em um homem também de óculos e camisa branca. Com a legenda "think about the place where you first met me."

Entre todas as canções do álbum Reputation, “Getaway Car” é a que mais se parece uma obra de arte. Na música, o que Taylor faz é uma tarefa simples: ela narra uma história de amor que começa em um carro de fuga e termina fadada a um final infeliz. O interessante de tudo isso são as pistas e pequenas referências à vida do casal de criminosos mais famoso e romantizado da história americana, Bonnie e Clyde. Após serem mortos em uma emboscada em 1934 e inspirarem uma série de livros e filmes da cultura popular, os amantes vieram parar, no ano passado, em uma música de Swift. E ela faz questão de deixar tudo muito claro para quem acha intertextualidade uma bobagem ao cantar: “Nós éramos classe alta, Bonnie e Clyde.”

Como se não bastasse uma ótima referência, Taylor mais uma vez abre a canção com versos já conhecidos do público. Dessa vez, foi com “Foi o melhor dos tempos,  o pior dos crimes” que ela ganhou o pessoal da literatura e fez brotar dezenas de posts e tweets pela bookweb. O trecho em questão é uma referência clara ao texto de Charles Dickens em O conto das duas cidades, obra na qual o respeitado autor narra as pobrezas e injustiças dos tempos de Revolução Francesa através das cidades de Londres e Paris.

Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o Paraíso, íamos todos direto no sentido contrário.” (DICKENS, C; O conto das duas cidades; 1812)

Além de um ótimo trabalho intertextual, “Getaway Car” ganha ainda mais força ao fazer homenagem àquela que é considerada a obra mais completa e forte de Dickens – e, assim, apresentá-la para sua legião de fãs.

 

This is Why We Can’t Have Nice Things / O grande Gatsby

GIF de Taylor brindando em um bar cheio.

A nova Taylor Swift não deixou os velhos costumes de fora de Reputation. A décima terceira faixa do álbum veio com uma clara referência ao clássico de F. Scott Fitzgerald.

O grande Gatsby foi publicado em 1925, se passa no verão de 1922 em Long Island, logo após à Primeira Guerra Mundial, e é tido como uma crítica ao “sonho americano”. O protagonista da obra, Nick Carraway, se torna amigo de seu misterioso vizinho, o milionário de passado desconhecido, Jay Gatsby, famoso por suas grandes festas, que ocorrem todos os sábados em sua mansão em West Egg. As festas de Gatsby têm uma motivação única: ele espera que em alguma delas, o seu grande amor do passado, Daisy, apareça e eles possam enfim se reencontrar. Mas isso não faz que elas sejam menos emblemáticas, repletas de luxo, pessoas ricas e famosas, e bebidas (o que em 1922 era proibido nos Estados Unidos).

Assim como o personagem icônico de Fitzgerald, Taylor Swift também é conhecida por dar festas emblemáticas, seja para comemorar seu aniversário, em 13 de Dezembro, ou a independência americana, o 4 de Julho em sua mansão em Rhode Island. Em todas elas, Taylor convida seus amigos, tanto os de sua vida antes da fama, quanto seus colegas de profissão, atores e atrizes e seu famoso squad formado por modelos. Ricos e famosos, o mesmo tipo de pessoas que seriam convidadas todos os sábados para as festas de Gatsby.

Swift reconhece a semelhança de suas festividades com as do personagem em “This is why we can have nice things”: “Era tão bom dar festas enormes / Pular da piscina do balcão / Todo mundo nadando em um mar de champanhe / Não há regras quando você aparece por aqui / A batida mexia o lustre / Me senti tão Gatsby por um ano inteiro.” Na música ela também faz uma certa crítica, mas não ao estilo de vida, e sim a algumas pessoas que estavam presentes em suas festas e que arruinaram suas celebrações.

Alguns fãs dizem que uma referência a esse clássico americano também está presente em outra faixa do Reputation. Em “Don’t Blame Me”, ela diz: “Uma vez fui uma hera venenosa (Poison Ivy), mas agora sou sua margarida (Daisy).” As teorias são de que a metáfora vai além da botânica, e passa por duas personagens da cultura pop: Poison Ivy, a Hera Venenosa, vilã dos quadrinhos da DC, que representaria a reputação ruim da cantora, e Daisy, interesse romântico de Gatsby, que simboliza o seu lado romântico e quem ela é para seu novo amor.

Um pouco além da música e das festas, Taylor já foi comparada com  o personagem por ter criado uma persona a quem ela supostamente protege a todo custo. As suposições são muitas, mas o que gostaríamos mesmo de saber é se a biblioteca de Taylor, que, como nós, ama falar de livros, é tão incrível quanto a de Jay Gatsby.

 

*  Helvio Caldeira tem vinte anos, vários sonhos e dezenas de livros na estante. Enquanto aceita o fato de que não vive em um romance da Jane Austen, estuda Jornalismo e brinca de escrever por aí. Nas horas vagas, pode ser visto facilmente discutindo literatura, gênero ou Taylor Swift. [Medium]

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