Miss Fisher

Miss Fisher: uma madame detetive

Ilustração de Miss Fisher segurando a barra do vestido e dizendo "I bet you weren't expecting THIS!"
“Aposto que não estavam esperando por ISTO!”

Não é mistério que nós já tratamos de alguns casos policiais por aqui, sendo eles investigados pela própria polícia ou com a ajuda de consultores. Embora todos estejam muito bem resolvidos e fechados, nenhum contou com o brilhantismo de uma certa madame detetive. Não porque ela não seja importante — é justamente por ser importante demais que tem um post só para ela. Senhoras e senhores, apresentamos Miss Phryne Fisher e seus assassinatos misteriosos.

Miss Fisher ajeitando o chapéu

Miss Fisher’s Murder Mysteries, ou Os mistérios de Miss Fisher, é uma série de TV australiana baseada nos 18 livros que compõem a coleção The Phryne Fisher Murder Mystery Series, de Kerry Greenwood.

A protagonista, Phryne Fisher (Essie Davis), é uma mulher independente, agitada e irreverente, que gosta de aproveitar a vida sem abandonar seus fortes ideais. Apesar de sua grande animação, sua infância na Austrália foi marcada por momentos difíceis, como a relação problemática com o pai, pouco dinheiro e, principalmente, a morte de sua irmã mais nova, Jane. Quando jovem, porém, a família foi afortunada pelas tragédias da Guerra, recebendo assim uma grande herança que permitiu que Phryne pudesse estudar na Inglaterra.

Após quinze anos longe de casa, Miss Fisher decide voltar para Melbourne, tanto para um recomeço, quanto para tratar de assuntos inacabados envolvendo o assassinato de sua irmã. Um pouco conflitante? Talvez. O mais importante é que a protagonista esbarra em uma morte misteriosa logo nos primeiros dias de volta a Austrália.

Depois de uma investigação – com alguns deslizes, mas de muito sucesso – junto à polícia de Melbourne, Phryne decide investir em algumas de suas qualidades – que se mostraram muito úteis – e se torna, assim, uma lady detective, uma madame detetive. Ok, uma investigadora mulher. Não o mais comum, mas ainda assim, algo consideravelmente esperado nos dias de hoje. Mas e se eu dissesse que Os mistérios de Miss Fisher não se passa no século XXI? E olha que esse é só um dos grandes diferenciais dessa série incrível.

 

Atrás das câmeras: escrito, produzido, dirigido e estrelado por mulheres

Dra. Mac e Miss Fisher rindo em uma festa

Os mistérios de Miss Fisher é baseada nas obras da autora australiana Kerry Greenwood, mas ela não é a única mulher responsável pela elaboração dessa história. As criadoras da adaptação televisiva também são mulheres: Deb Cox e Fiona Eagger. Junto com elas, a série é produzida por Carole Sklan, Anna Molyneaux, Sue Masters, Haley Gillies e pela também protagonista do show, Essie Davis. E a presença feminina não para por aí: temos Daina Reid, Kate Dennis, Emma Freeman e Catherine Millar na direção de vários episódios.

Sem dúvidas, a presença feminina na produção reflete na representatividade, sensibilidade e no detalhismo que vemos em tela.

 

Os mistérios dos anos loucos

 

Miss Fisher dizendo "I haven't taken anything seriously since 1918"
Eu não levo nada a sério desde 1918.

A década de 1920, conhecida também como “os anos loucos”, foi marcada pela grande euforia após a Primeira Guerra Mundial, com direito a festas, bebedeiras e muito jazz.

Havia uma grande excitação em relação à tecnologia e ao entretenimento. Carros rodavam pelas ruas, aviões começaram a voar pelos céus levando passageiros, a população começou a ter grande acesso a programas de rádio, o cinema foi se popularizando e a trilha sonora de tantos avanços era composta por jazz e blues. Os esportes também estavam muito presentes como entretenimento e lazer na Austrália dos anos 1920, principalmente futebol e críquete.

Os homens já haviam retornado para suas casas após anos de trincheiras na Europa e encontravam suas mulheres ainda numa posição social desigual, porém com pequenos avanços em relação à década anterior. Mulheres, que na Austrália já tinham direito ao voto desde o século XIX, em 1920 começaram a trabalhar fora, ter seus próprios negócios e ajudar financeiramente em casa.

É nesse contexto histórico, mais precisamente em 1928, que encontramos Phryne Fisher, pronta para contribuir com a loucura da década e a trazer ainda mais inovação.

 

Se vestindo para si mesma

Miss Fisher pulando, sorrindo, com os braços para cima

A moda feminina dos anos 1920 foi marcada por saias, vestidos e mangas de blusas mais curtos do que dos períodos anteriores, cabelos no famoso corte chanel e uso de acessórios como colares, brincos, anéis, chapéus, meias, luvas, lenços, cachecóis, tudo com muita pedraria, plumas e cores. Os homens se vestiam com ternos de material leve e tons sóbrios e também utilizavam acessórios como gravatas e chapéus.

A personalidade forte de Phryne também é transmitida através de suas roupas. Nas palavras da madame detetive, “uma mulher deve se vestir primeiro e acima de tudo para seu próprio prazer […] Se isso acaba atraindo homens, bem, é realmente um efeito colateral”, o que é visível em suas escolhas coloridas, luxuosas e empoderadas.

É muito bom perceber um pouco mais de cada personagem através do figurino e está aí algo que Os mistérios de Miss Fisher faz impecavelmente, sem deixar de transmitir a realidade muitas vezes (mas nem sempre) glamourosa da época.

 

Representatividade e movimentos sociais

Mulheres jogando sinuca

Apesar de todas as cores e festas, nem tudo são flores nos anos loucos australianos. Os problemas são diversos e, infelizmente, podem ser comparados com os atuais: tráfico de drogas, xenofobia, homofobia, racismo, desigualdade de gênero, desigualdade social, e por aí vai. Essa realidade é também mostrada na série como parte do cotidiano da época. Diferente de outras produções policiais, porém, em Miss Fisher temos mais uma protagonista com maior compaixão e participação, que não marginaliza ou aceita facilmente essa realidade.

Uma outra diferença, dessa vez relacionada a algumas produções de época, é que é possível encontrar representatividade em muitos dos episódios da série. Ainda que, infelizmente, o elenco principal seja composto por personagens brancos heterosexuais e cisgêneros, é constante a presença de personagens não brancos, parte da comunidade LGBTQ+ (como a lésbica Dra. Mac, melhor amiga de Miss Fisher)  e portadores de deficiência, todos em diferentes posições sociais.

Além de diferentes realidades retratadas durante os episódios, também é possível ter contato com as diferentes ideologias e movimentos sociais que marcaram o pós-guerra e prevalecem até o presente. O comunismo é uma pauta recorrente na série, principalmente por conta de dois personagens próximos a protagonista, os motoristas de táxi, Bert e Cec, muito engajados na causa e conhecidos na comunidade soviética de Melbourne. O feminismo também é muito presente, principalmente por conta das crenças de Phryne e de suas amigas. Esse talvez seja o movimento em que a protagonista esteja mais engajada, uma vez que ela não parece se posicionar fortemente na política.

 

Os assassinatos misteriosos

Miss Fisher olhando por uma lupa

Os casos de Miss Fisher são geralmente resolvidos em um episódio, possuem contextos variáveis e em alguns momentos Phryne não está investigando com a polícia, embora ela e os investigadores sempre se cruzem.

Os vilões da série têm motivações diversas, mas na maior parte do tempo bem humanas e até compreensíveis, se é que podemos dizer assim. Tanto eles quanto os mocinhos possuem camadas e camadas de personalidade, diferentes características, o que só torna eles mais reais.

Ah, e mesmo com investigações graves, o clima dos episódios e sempre de descontração. Dá para maratonar tranquilamente.

 

Amizades e amores

Grupo de amigos brindando

Além da inteligente Dra. Mac e da dupla comunista Bet e Cec, Fisher também conta com outros personagens para dar conta de suas investigações e do seu dia a dia. Temos, por exemplo, Mr. Butler, o mordomo que além de ótimo cozinheiro também sabe lutar; a tia Prudence, aquela parente rica que vive dando pitaco na vida alheia; e a queridíssima Dot, escudeira fiel de Miss Fisher com mais talentos do que é possível contar e que faz de tudo para equilibrar suas crenças católicas e as peripécias de sua chefe.

Não podemos nos esquecer dos investigadores da polícia: o sério e direito Detetive Inspetor Jack Robinson e o ingênuo Oficial Hugh Collins. O primeiro contato de Miss Fisher com as forças policiais não é dos melhores, mas logo eles estabelecem uma boa parceria, mesmo que nada oficial e muitas vezes circunstancial.

Como todos já sabemos, não é só de trabalhos investigativos que se faz uma boa série policial. As interações desses personagens fazem parte dos grandes diferenciais que fazem Miss Fisher ser uma série única. É muito gostoso ver a amizade crescer entre os personagens e perceber que, mesmo com todas as adversidades e diferenças, um está ali para o outro, dispostos a se sacrificar e a criticar quando necessário.

Como qualquer amizade, há piadas internas e momentos de intimidade que fazem qualquer um rir e se divertir, mesmo no meio de alguma investigação séria. E, claro, alguns desses momentos mais íntimos também podem render algumas lágrimas e o surgimento de algo que desperta o amor e o ódio de todos os fãs: os ships. Você gosta de amor à primeira vista? Em Miss Fisher tem. Prefere um slow burn? Tem também! Oh, se tem…

É melhor preparar o coração antes de assistir.