“Love Yourself: Her”: do kpop ao pop

O comebacks do BTS já era aguardado há muito pelos fãs. Com o aumento de popularidade crescente do grupo sul-coreano, até a Billboard (que os premiou como o “Top Social Artist”) e outros veículos americanos criaram teorias sobre os teasers – os chamados Highlight Reel – do novo trabalho, intitulado “Love Yourself”.

Esse conceito já vinha aos poucos sendo introduzido durante a turnê do álbum passado, na era Wings. Nos shows do grupo no Brasil, por exemplo, quando Rap Monster cantou “I wish I could love myself”, os fãs responderam “We love you!”, e isso marcou, tanto que o líder comentou ao final do show que tinha ficado emocionado. Durante o discurso no Billboard Awards (que virou até faixa desse novo álbum), ele repetiu: “Please, Army, remember what we say, love myself, love yourself”. Os teasers contaram uma história que envolvia amor, superação, desejos não correspondidos e escolhas. A era LY começou.

Primeiro cartaz da era Love Yourself. A cadeira gerou polêmica, mas os teasers mostraram que essa foi uma fase temporária do integrante, que se recuperava de um atropelamento. No poster está escrito “O sentido que meu coração flui, o dia em que eu quero correr para aquele lugar.”

 

Primeiras impressões

O mini álbum tem o epíteto “Her”. Algumas artes divulgadas eram minimalistas e conceituais, mas outras coloridas e descontraídas. Não se sabia o que esperar até a title, “DNA”, finalmente ser revelada:

Depois dos ritmos latinos de “Blood Sweat and Tears”, a title do álbum passado, o BTS trouxe um future bass para o seu novo single, e apresenta o MV mais kpop de sua carreira. Eles não inventam historinhas ou vão dançar em cenários bonitos, eles simplesmente vestem roupas muito coloridas, fazem várias caras pras câmeras e dançam uma coreografia bem elaborada (um DNA humano!). E basta. Os cenários bem vibrantes, feitos por efeitos de computador, completam a overdose de cores e ritmos que é esse single.

Mas, diferente do MV, esse é o álbum mais pop do grupo em sonoridade. A parceria com The Chainsmokers se encaixa bem dentro do CD, que segue numa vibe não muito diferente disso. É um álbum bem menos ousado que o anterior – nada de solos sussurrando declarações de amor a um piano ou neo soul com highnotes –, mas que também cria uma narrativa interessante. É notório como até a faixa 6, que traz o discurso no Billboard Awards, ele é bem pop e com letras dedicadas à “Her” do título, mas após o “love myself” do discurso, o tom muda, e começam músicas com uma vibe de rap mais pesada e letras com autoexaltação. A faixa final se volta novamente para o título e as duas faixas hidden (presentes apenas nos CDs físicos) arriscam mais que qualquer outra do álbum.

No entanto, contrariando o que se ouve, o kpop se reafirma nas performances das músicas. Zoeiras, aegyos, dancinhas “ridículas” se vista de fora, mas coerentes dentro do contexto, estão presentes nessa nova era. Quando se imagina que o grupo vai se entregar para o pop, eles validam suas origens no kpop. Foi assim que eles chegaram longe, é assim que vão continuar. Vale analisarmos uma por uma.

Arte que representa a era Love Yourself.

 

“Her”: música por música

A canção de abertura, “Intro: Senrendipity”, já era conhecida do público:

A primeira “Intro” do BTS não cantada pela rap line se conecta com todo o conceito novo: “Quando você me chamou/ Eu me tornei sua flor”, diz Jimin, fazendo alusão ao símbolo que representa essa nova fase. O integrante canta toda a música com um tom doce e controlado, nada de highnotes exagerados ou clímax construídos, ele apenas declara seus sentimentos. Sem refrão, essa “Intro” traz um Jimin apaixonado e indefeso, mergulhando por outros mundos, como mostra o MV. Ele usa um cobertor pra fugir da realidade, mas não tem medo e nem sente dor com o furo de um cacto. “Serendipidade” é uma palavra erudita que significa a descoberta de algo bom por acaso. O amarelo, muito presente em todo o clipe, remete à cor mundialmente difundida em setembro, para alertar sobre a prevenção do suicídio – a Coreia do Sul tem altos índices do problema –, e o valor a vida é um tema constante de várias maneiras nas músicas do grupo. Intro delicada, clipe belíssimo, uma ótima forma de começar.

Em seguida temos a title “DNA”. Como já foi dito, ela traz um ritmo competente e uma coreografia caprichada. Outro ponto alto do single é sua ótima line distribution, com todos os integrantes cantando mais de uma vez. J-Hope encerra a música com os já conhecidos “lálálá” do grupo, seguido de passos que saem naturais para o main dancer, mas não tão fáceis fora da dance line. Porém, nada que prejudique a performance.

A faixa 3 é a aguardada Best of Me”, parceria com The Chainsmokers. Apesar de competente, podemos dizer que é a música mais “genérica” do álbum, tanto em sonoridade quanto em letra. Se colocarmos numa balança, talvez tenha mais Chainsmokers que BTS ali. Mas é uma eletrônica legalzinha, os vocais estão muito bons, o pré-refrão com o “haru haru” pode evocar hinos antigos para os mais otimistas e a alternância da batida com “You got the best of me” e “So please just don’t leave me” forma um refrão chiclete.  

BTS e Chainsmokers.

Em seguida temos “dimple”, a faixa da vocal line. Jin, Jimin, V e Jungkook postam muito bem suas vozes e cantam uma pseudo baladinha sobre covinhas! “Elas estão bem escondidas, mas se sorri elas aparecem”, “Eu quero cair dentro delas (…), Eu quero me afogar dentro delas (…) / Para mim você é lago”, “Essas covinhas são ilegais”. Numa mistura média de fofura com um pouco de breguice, eles fazem uma das canções mais harmônicas do álbum. O refrão, brincando com “illegal” e “illegirl” (neologismo para “garota ilegal”), casa bem com o ritmo e com a quebra “But I want it anyway, anyway, anyway”. Funcionou bastante comigo, ótima.

A próxima é, para mim, a melhor do álbum. Pied Piperjá remete a sua genial referência no título. Ao contrário do que possa parecer pelo nome, essa música é para os fãs, ARMYs. Mas, ao invés de declarar amor por eles, a canção alerta para outra questão: “Agora, pare de assistir e vá estudar para suas provas/ Seus pais e seu chefe me odeiam”, “Análise o MV depois/ Afinal, já tem fotos demais minhas no seu quarto”. Escrita por RM, Suga e JHope, os rappers tiveram todo um cuidado para falar da questão do “fanatismo”, o que casa com o conceito “Love Yourself” do álbum. Ao mesmo tempo que parecem duros por serem tão diretos nos versos, eles utilizaram uma metáfora com a lenda alemã do “Flautista de Hamelim” para criar o refrão. Na história, o flautista engana as crianças, as atraindo para longe dos pais pelo som de sua flauta; na música, o grupo fala como se fizesse o mesmo: “Você não está sendo punido/ Vem aqui, eu sou seu paraíso“, “Siga o som da flauta, siga essa canção/ Mesmo que seja perigoso, eu sou encantador(…)/ Estou controlando você”. Além da ótima metáfora, o ritmo com flautas ao fundo e os falsetes de Jimin e Jungkook criam uma atmosfera de desespero e sedução, gerando um excelente refrão. Sem dúvida, uma das melhores e mais inteligentes músicas do grupo.

Em seguida temos uma quebra no álbum. A Skit : Billboard Music Awards Speech” traz na íntegra o discurso do líder Rap Monster quando o BTS ganhou o “Top Social Artist”. Conseguido sob o esforço do fandom que passou semanas votando sem parar por inúmeras contas, o grupo sul-coreano venceu Justin Bieber (que tinha levado o prêmio nos 6 anos anteriores), Ariana Grande e Shawn Mendes. RM falou “Esse prêmio pertence à todas as pessoas no mundo que espalham seu amor e luz para nós aos milhões, e fazem o BTS muito orgulhoso”. E é exatamente esse lado “orgulhoso” que vemos nas duas próximas músicas.

“Mic Drop” é a música da rap line, que trocou o esperado nome “Cypher pt.5” para já começar a dar o recado pelo título. Essa expressão é uma gíria pra “derrubar o microfone”, atitude geralmente associada a uma situação de sucesso. Como na série “Cypher” do grupo, ela exalta o BTS e manda shade pros haters, mas agora usando uma artimanha que nunca se imaginaria de um grupo vindo de empresa pequena como eles: o reconhecimento mundial. “Desculpe Billboard/ Desculpe mundo/ Desculpe se o seu filho está arrasando, mãe”, “Você viu a minha bolsa?/ Está cheia de troféus”, “Ah, troféus demais na minha mão/ Muito pesados, minhas duas mãos não são suficientes”. A performance é o ponto alto da música, com uma coreografia muito agitada que remete a origem hip hop do grupo, e com a inclusão dos membros da vocal line, reforçando que a mensagem representa todos os sete integrantes.

“Go Go” pode parecer um reggae ostentação a primeira ouvida, mas a música vai além, e a performance despretensiosa prova isso. Com uma dancinha zoeira, duas coisas ficam claras: 1) felizmente, o BTS não se leva a sério demais; 2) a música é totalmente irônica. “Dólar Dólar/ Gastei tudo em apenas uma manhã/ Corra corra, eu lucrei, eu sou luxúria”, “YOLO YOLO YOLO YO/ Cadê a festa yah/ Divertido desperdício”, “Ao invés de se preocupar, Vá”. Você pode só achar que é uma letra pouco inspirada com uma coreografia que só quer zoar, ou você pode enxergar os “YOLO” do refrão como uma referência a expressão “You Only Live Once”, fazendo uma crítica aos jovens que extrapolam a visão de “carpe diem” presente nela, ou ainda você pode pensar que o BTS quer que os fãs se soltem das preocupações e amarras impostas a eles e só sigam em direção aos seus sonhos. Seja qual for sua opção, o importante não é a resposta, mas o questionamento. Ou que finalmente temos uma coreografia acessível para todo o fandom.

A última música, OUTRO: Her tem uma letra, no mínimo, curiosa. O eu-lírico da canção começa totalmente submisso, fazendo coisas que não gosta para simplesmente ser aceito pela “Her” do título. O refrão reforça essa dependência: “A resposta/ a todas as minhas perguntas/ Eu chamo de ela, ela/ Porque você é minha lágrima, lágrima”. Mas os últimos versos entoados por JHope dão a entender que ele, ao final, escolheu a si mesmo. “Tiro minha máscara”, “apenas sigo meu coração”, “Amar faz a pessoa ficar louca/ Ainda assim, com a determinação de um maluco/ Eu me coloco na equação que se parece mais comigo”, “Você me ama por isso”. “Love Myself, Love Yourself”, foi o que Rap Monster falou, então parece que a letra faz referência a essa autodescoberta.

 

Músicas hidden e reconhecimento

Além das 9 faixas que se encontram no álbum, nas versões físicas há duas músicas escondidas. Elas não são escondidas à toa, então nem cabe comentar, mas adianto que valem a pena e que têm um tom bem diferente de todas as outras.

Esse álbum vem trazendo recordes e visibilidade imensa para o grupo de kpop. A decisão de não se lançar direto no mercado americano, e sim continuar fazendo o que estava funcionando, foi mais que acertada. Com o Love Yourself: Her, eles se tornaram o primeiro grupo de kpop a entrar entre os dez primeiros álbuns mais vendidos na parada do Top 200 da Billboard, atingindo o sétimo lugar em sua semana de estreia. Eles também conseguiram emplacar, pela primeira vez, uma música no difícil Hot100 (que conta streaming das músicas nas rádios norte-americanas para fazer o ranking), com a title “DNA” ficando em 85º lugar. O álbum também foi topo do iTunes em 73 países, entre eles Estados Unidos e Brasil, além de “DNA” ter batido recordes de visualizações no Youtube, alcançando 20 milhões de views nas primeiras 24 horas. Todos esses feitos no mercado americano impressionam para um álbum não cantado em inglês – o grupo realmente está fazendo história.

Uma das grande falácias da humanidade é associar sucesso comercial a qualidade. Um nem sempre está atrelado ao outro. Felizmente, o novo álbum do BTS tem a honra de ter os dois.

 

[Nota: Todas as traduções usadas foram tiradas dos vídeos linkados ou de http://bangtan.com.br/]

2 comentários sobre ““Love Yourself: Her”: do kpop ao pop

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