Sobre amor de fã, criação e o que levamos disso – com Bárbara Morais, Lola Zago e Isadora Casagrande

“A criação de algo novo é consumado pelo intelecto, mas despertado pelo instinto de uma necessidade pessoal. A mente criativa age sobre algo que ela ama”, já dizia o pai da psicologia analítica, Carl Gustav Jung. Mas e quando o que você ama é uma criação de outra pessoa? É possível criar algo sobre outra criação? Aqui, nós sabemos que sim.
“Nossa, mas por que você não cria algo novo, original?” Essa é uma pergunta frequente na vida de quem usa seu amor de fã para criar algo, sejam fanfics ou fanarts. Quem vê de fora, muitas vezes, não compreende o quão trabalhoso e importante essas produções são para os criadores e quem as consome.

Já sabendo dessa importância, mas querendo entender dos pontos de vista de criadores, eu conversei com três fãs para saber um pouco da relação delas com suas criações: Isadora Casagrande, fã de Harry Potter e da banda The Maine, que escreve fanfics sobre ambos; Heloísa Zago, a Lola, que participa ativamente dos fandoms de diversos animes (Hetalia, Durarara, Kuroshitsuji e Yuri On Ice), de grupos de kpop (EXO, BTS e GOT7) e do One Direction e faz fanfics e fanarts; e Bárbara Morais, que contou que foi e é fã de muitas coisas, entre elas Harry Potter, Vampire Academy, Samurai X, Sailor Moon e Ouran, e que publica fanfics na internet e faz fanarts que mantém para si.

“Eles nem sabe o que é ser uma fã. Sabe? Amar verdadeiramente algum pedacinho bobo de música, ou alguma banda, tanto que dói” (Sapphire, Quase Famosos) Fonte: Tumblr

A vontade de criar algo sobre histórias, personagens ou artistas amados vem daquele “e se…”, das várias possibilidades, dos mundos e realidades em que (quase) tudo pode acontecer. É nessa hora que a/o fã transforma em cânone (conjunto de fatos reconhecidos como “verdadeiros” em uma obra de ficção) o que antes era apenas uma vontade particular, e concede a todos aqueles com vontades semelhantes uma nova obra, ou pode também redesenhar a vida, representando pessoas em obras de arte.

Pode parecer simples, mas não é bem assim. Conversando com as meninas, ficou claro que, apesar de ser divertido e prazeroso, fazer fanfics e fanarts demandam concentração e esforço. Há regras a serem respeitadas, como o universo em que a história se passa, características de personagens ou pessoas, o tipo de linguagem a ser usada, etc. A Isa, por exemplo, conta que o processo de escrita de uma fanfic sobre The Maine, como a sua primeira, “All For You My Daisy”, e de Harry Potter, em que ela geralmente fala sobre os Marotos, é bem diferente. O universo muda completamente — e com ele, o estilo de escrita, a linguagem utilizada, o tempo… Tudo. Dá trabalho? Sim, mas ela aproveita isso como uma forma de explorar e melhorar sua própria escrita.

Para fazer fanarts também existem questões técnicas. A Lola faz seus desenhos no papel e também digitalmente. Ela costuma publicá-los no Twitter e no Instagram, onde, na função Stories, também mostra um pouco do processo de criação e técnicas de desenho. As publicações começaram há pouco tempo, mas Lola diz que sempre produziu fanarts, mesmo antes de saber sobre fandoms e outros termos dessa vida de fã. Desde criança, desenhava personagens de animes e desenhos que gostava, e assim, a arte se fez presente em seu cotidiano, e hoje se tornou algo praticamente natural para ela.

Arte de Lola, publicada em seu Instagram (@lolazago)

A Bárbara também produz fanart, apesar de guardá-las para si. Fanfics, por outro lado, ela costumava publicar bastante! Teve de Harry Potter, Crepúsculo, Academia de Vampiros… Sua primeira foi uma shortfic, uma fanfic curta, sobre Draco Malfoy e Gina Weasley, de Harry Potter, que ela escreveu para um concurso de um fórum sobre o casal não-canônico. Bárbara via nas fanfics uma oportunidade de construir uma história para seus personagens favoritos que fosse mais coerente com seus desejos. Além disso, ela adorava ter a chance de brincar com aqueles personagens. Todo o processo de criação, de respeitar o universo em que a história está inserida, mas ter liberdade de modificar o destino dos personagens, a ajudou bastante a entender a sua própria dinâmica de escrita, o que fez grande diferença em sua vida. Hoje, Bárbara é autora da trilogia Anômalos, publicada pela Editora Gutenberg.

Com o tempo, todas as três fãs perceberam uma evolução em seu trabalho e contaram com outros escritores, artistas, leitores e admiradores para isso. Elas contam que costumam receber muitos comentários positivos e elogios sobre seus trabalhos e que, ao mesmo tempo, estão sempre dispostas a ouvir sugestões para que possam evoluir. A Isadora disse que gosta de selecionar pessoas para lerem suas fics antes de publicar, justamente para já melhorar o resultado final antes de lançá-lo ao público. A Bárbara, por sua vez, chamava quem comentavasuas fics criticamente para ser seus leitores betas. Já a Lola conta que sempre se sente motivada quando comentam que sentem falta de suas postagens ou pedem para que ela publique mais trabalhos. Em suas fanfics, ela diz que os comentários longos são os que mais a motiva, que já recebeu ótimas dicas e sente se sente inspirada pelos trabalhos de outros fãs. Um outro ponto que ela ressaltou é que hoje aborda temas que nem pensava em abordar no passado, muito menos da forma como faz atualmente; e vê isso como um grande avanço. Curiosidade: Quando perguntei sobre os primeiros trabalhos delas, os comentários de “nossa, é horrível!”, “que vergonha!” e “dá vontade de reescrever!” foram constantes. Uma prova de evolução, não é?

Uma das perguntas que fiz é se elas se sentem escritoras/artistas/produtoras de conteúdo por escrever fanfics. A Bárbara disse que na época achava divertido, era um hobby, uma brincadeira, que ela tratava com certa seriedade e organização, mas que era isso. A Isa também foi por esse caminho: ela não se vê como escritora, principalmente por não se dedicar à escrita tanto quanto gostaria, mas se considera uma produtora de conteúdo. Já a Lola, disse algo um pouco diferente, e que eu, particularmente, achei super interessante:

“É bem difícil essa pergunta, porque a gente associa escritora com alguém que escreve livros e artista como alguém que pinta telas. Um monte de pessoas fora do fandom já perguntaram coisas como ‘quando você vai escrever/desenhar algo de verdade?’ Porque eles não consideram a gente como artistas/escritores, acham que nosso trabalho é menos importante porque não está impresso ou em uma galeria. Mas dentro do fandom eu me sinto uma artista/escritora. Os fãs que te acompanham te fazem se sentir assim.”

Para fechar a conversa, perguntei sobre o que elas aprenderam com suas produções, o que elas levam e vão levar para a vida. A Bárbara contou que as fanfics foram ótimos passatempos durante o período escolar (ela e colegas faziam fanfics coletivas) e um ótimo meio de conhecer várias pessoas legais, além de uma constante prática de escrita, importantíssima para seu trabalho como escritora. Ela também contou que aprendeu e praticou muito a língua inglesa lendo fanfics, o que as outras meninas também comentaram. Além de inglês, a Lola aprendeu japonês e agora estuda coreano por conta de fanfics e dos fandoms que participa. Ela também falou sobre sua escolha de graduação, Letras, que foi influência das fics, e que seu livro favorito é uma fanfiction. Assim como Bárbara, ela ressaltou os amigos que fez nos fandoms. No entanto, o mais importante para ela foi ter descoberto o amor pela escrita: “Eu comecei a escrever e descobri que isso é algo que eu amo fazer. Antes eu achava que somente escritores de livros podiam escrever, agora eu escrevo também. É quase um mundo paralelo. Você tem pessoas que apreciam o que você escreve/desenha. Fora do fandom meus desenhos e escrita ficariam trancados na gaveta e ninguém leria”.

A Isa, que é estudante de Direito, também falou dos benefícios que a escrita de fanfics trouxe para sua vida, tanto num âmbito acadêmico quanto pessoal e emocional. Tenho que admitir que me identifiquei bastante: “[escrever fanfics] me ensinou a ser mais criativa, a ter mais recursos na hora de escrever. O fato de eu ter sido sempre interessada em escrever me ajudou a ter uma qualidade de escrita excelente, que é cada vez mais difícil de encontrar nas pessoas. Me ajudou no colégio, me ajuda na faculdade e também no trabalho, que exige muita escrita. Acima de tudo, acho que a escrita sempre foi uma válvula de escape, apesar de não desenvolver a escrita criativa como antes, é bem difícil eu não escrever nada, mesmo que só uma frase como sobre estou me sentindo no dia. Assim que a gente começa é difícil de largar”.

Minha xará está certa: é difícil largar. Como diz a Lola, “[a escrita de fanfics] foi um buraco sem fundo. Mas foi uma das melhores coisas que eu fiz na vida”. Criação é assim; nós mergulhamos naquilo que amamos e em nós mesmos, buscando externalizar nossos sentimentos e ideais na tentativa de que outros possam ver o que vemos e como vemos. Não importa se é algo novo, original, ou sobre Harry Potter ou o Mark de GOT7, se te faz bem e te acrescenta, é o que importa. Ah, para mim também não importa que elas não se consideram escritoras e artistas pelos trabalhos que produzem: eu considero. E mais ainda: me tornei ainda mais fã delas.

Um comentário sobre “Sobre amor de fã, criação e o que levamos disso – com Bárbara Morais, Lola Zago e Isadora Casagrande

  1. Muito boa a sua entrevista :)

    Antigamente eu não conseguia entender por que que as pessoas gostavam tanto de fanfic e fanart, achava algo meio falso, como uma cópia do que já existia na realidade. Ainda bem que essa minha visão mudou, e hoje em dia sou como você, vejo quem produz esse tipo de conteúdo como verdadeiras artistas e escritoras – as vezes melhores do que muita gente que cria personagens “originais”.

    Também concordo que é uma forma excelente de desenvolver habilidades e se aventurar em novas áreas, principalmente quando somos adolescentes, né? Eu lembro que aprendi muita coisa de design enquanto fazia blogs com 12, 13 anos, só por diversão, e isso foi uma super vantagem quando pude usar esses conhecimentos na faculdade, anos depois.

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