Cidade de estrelas, você brilha só pra mim? – O amor pelo Oscar

Em 26 breves e surreais anos de vida, eu estive em todas as faces do cinema. O mesmo universo oculto por uma tela prateada esconde milhares de panelinhas: os acadêmicos com seus documentários e seus teóricos franceses, os cults com seu cânone imutável de vanguardas e autores, os indies com seus filmes de baixo orçamento e propostas transgressoras, e os vulgares com seu amor por blockbusters e ação. Minha carteirinha de todos esses grupos nunca foi revogada.

Entretanto, uma coisa une essas pessoas tão díspares: um certo desprezo pelo conceito do Oscar. Os acadêmicos dizem que não devia existir competição na arte. Os cults, que o Oscar é parte do “establishment” do cinema americano comercial. Os indies, que o cinema de ambições menos mastigadas e digeridas não tem espaço no prêmio. Os vulgares, que a austeridade e drama dos filmes indicados é entediante. E no meio disso tudo, eu, Ana Clara, defendendo de maneira quixotesca a premiação, concordando com os argumentos de todos, mas completamente incapaz de abandonar o amor por essa instituição.

Minha primeira lembrança do Oscar é prematura, e creio que é a mesma de grande parte da minha geração, envolve a cerimônia de 1998. O ano do leviatã Titanic, mas que em minha memória, foi o ano em que eu torci de maneira fervorosa para Melhor é Impossível, de James L. Brooks.

Escrevendo esse texto, pauso para perguntar a minha mãe como ela me deixou, aos 8 anos, assistir a esse filme. Ela diz que eu era muito madura para a idade. Continuo, então, minhas ponderações.

A primeira crise de raiva com a academia veio com a premiação de Roberto Benigni, um ano depois. Achava a atuação extremamente exagerada, e ainda acho.

Pauso de novo. “Mãe, eu vi A Vida é Bela com 9 anos?!”.

Já entrei na década de 00 com o Oscar como o dia mais importante do meu ano. Eu fazia cartazes para os meus favoritos, bandeirinhas que segurava torcendo para figuras como Ken Watanabe por O Último Samurai (não me perguntem o porque). A tradição virou também gastronômica, e a pipoca feita para acompanhar o tapete vermelho virou inegociável até em anos que eu estava enjoada ou doente.

A partir de 2006, aos 16 anos, comecei o plano atual de “zerar o Oscar”. Esse plano envolve ver todos os filmes da categoria Melhor Filme no cinema, e tentar ver o maior número de filmes das “Seis Grandes”, as categorias mais importantes para os especialistas: Direção, Atores e Atrizes. Dois anos depois do início dessa meta, aos 18, meus planos foram freados por uma contingência inesperada… eu fiquei doente durante a temporada do Oscar. Mononucleose. Com complicações. Febre constante. QUARENTENA. E minha maior preocupação?

A quarentena iria me fazer perder os filmes.

2008 permanece como o único ano em que eu não completei no cinema a temporada. Uma mancha em um currículo perfeito.

O interesse pela previsão sempre veio em segundo plano, quase como um esporte. Para prever o Oscar você deve afastar da sua mente suas preferências pessoais e entender a lógica interna do prêmio, as engrenagens das cabeças dos votantes, o cenário do ano. Mesmo com tanta paixão e interesse, meu desempenho em bolões é pouco acima da média (meu grande orgulho permanece sendo a adivinhação do maior e mais triste upset da história do prêmio, a vitória de Crash sobre Brokeback Mountain, que eu cravei naquele ano).

Toda uma trajetória que desembocou como um rio no turbulento ano de 2017. O ano em que o mundo tentou destruir tudo que eu amo no Oscar, demonizando um filme de gênero, pedindo por votos políticos, criando vilões e heróis, transformando o Oscar em algo que ia muito além das telas de cinema, e em um erro fatal, tirando o brilho de dois grandes filmes, Moonlight e La La Land, fazendo tudo virar um mero factóide para os livros. Os primeiros erros são os piores, já diria Capital Inicial.

Se eu vou desistir do meu amor pelo Oscar em 2018? Bem, eu já estou monitorando os principais candidatos, pensando na pipoca, e reforçando que o Oscar é uma questão de formação cinéfila, algo educativo, que desenhou mas não limitou minha trajetória como fã de cinema, e que ajuda, de certa maneira, todas as panelinhas que eu comecei esse texto descrevendo. É o dia em que o mundo inteiro decide amar o que eu amo 365 dias por ano. Como odiar?

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