Ivete Sangalo. Foto: Rafa Mattei/Divulgação

Muito obrigada, Ivete

Lembro bem de como passei a prestar atenção em Ivete Sangalo: eu tinha uns onze anos, estava mais ou menos na quinta série do ensino fundamental e a professora de espanhol surgiu em uma aula com um rádio e um CD. Já tínhamos estudado com música antes, afinal é uma boa forma de aprender, mas eu nunca tinha prestado atenção em nada além dos versos e palavras desconhecidas — até aquele dia. Quando “Corazón Partío”, com Alejandro Sanz, começou a tocar, senti algo diferente. Fiquei encantada na primeira execução da música, decorei os versos na terceira e na quinta eu já conseguia enrolar com meu portunhol no ritmo certo.

Daí para caçar o que pudesse sobre a voz feminina na canção foi um pulo. Eu passava o tempo livre das aulas no laboratório de informática, descobrindo quem era Ivete Sangalo. Óbvio que eu já tinha ouvido falar (e muito) no nome, já tinha visto entrevistas e programas na TV, mas naquele momento era diferente. Havia uma emoção, um sentimento totalmente novo por trás das minhas buscas, algo que eu não sabia classificar — e demorei algum tempo para compreender que se tratava da sementinha de fangirl sendo plantada lá no fundinho da minha mente e florescendo a cada nova letra de música impressa e colada na porta do guarda-roupa, cada notícia de jornal cortada e guardada com carinho em uma pasta que hoje já não tenho mais.

Entre notícias, buscas na internet limitada da escola e programas de TV, fui descobrindo, então, quem era aquela mulher de voz grave e animada: filha de uma pernambucana com um espanhol, Ivete é a caçula de cinco irmãos e foi criada em uma família bastante musical. Ela cantava em casa e na escola, onde aproveitava os intervalos para tocar violão. A morte do pai obrigou a família a buscar meios de se sustentar — e aí Ivete foi vendedora de roupas e da marmita feita por sua mãe e até modelo. Começou a carreira musical aos 18 anos, foi backing vocal do cantor baiano Lui Muritiba e tocou em barzinhos à noite, recebendo um jantar como pagamento. Em 1992 ganhou o Troféu Dorival Caymmi de melhor intérprete, e assumiu o comando da Banda Eva no ano seguinte, quando assinou um contrato com a Sony Music e, desde então, sua carreira não parou mais de decolar.

De lá para cá, Ivete lançou diversos álbuns — quinze, para ser mais exata —, cada um com marcas da época em que a cantora estava vivendo: o axé puro e simples de seus primeiros álbuns, com romance bem marcado, passando por um álbuns intimistas que mesclam ritmos e não deixam sua identidade axezeira de lado. Entre eles, selecionei seus DVDs (os shows ao vivo e seu álbum de estúdio) para explicar um pouco de por que ela é uma cantora tão completa e encantadora.

Começando pelo MTV ao vivo (2003), gravado no estádio Fonte Nova, na Bahia. Ivete surge no palco e embala um pot-pourri que une “Eva”, “Alô Paixão” e “Beleza Rara”, três dos maiores sucessos da Banda Eva, e já arranca lágrimas logo nessa abertura. Com uma apresentação gostosa e animada, a cantora coloca todo mundo para pular ao som de “Empurra, Empurra” e “Carro Velho”, entre outros sucessos, e leva o show para um clima mais romântico ao trazer “A Lua Q Eu T Dei”, “Coleção” e “Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim” — essa última, com a participação de Sandy. Aliás, esse álbum conta com participações que são um show à parte: tem Daniela Mercury, Gilberto Gil, Sandy & Júnior e outros. O figurino de Ivete aqui também merece destaque: é notável a diferença de estilo da cantora há 13 anos (e o quanto ela evoluiu no que diz respeito aos looks, também).

O próximo DVD foi o Ivete Sangalo ao vivo no Maracanã (2007). Com direito a entrada em cima de uma moto, com uma roupa preta justíssima que remete à Mulher Gato, Ivete abriu o show no maior estilo axé, animada, com as famosas “Abalou”, “Festa”, “Sorte Grande” e uma regravação de “Não Quero Dinheiro”, do Tim Maia. “Não Precisa Mudar” — que conta com participação de Saulo Fernandes e é uma das minhas músicas favoritas — foi lançada nesse DVD e encantou os fãs presentes no estádio. “Corazón Partío”, a música que fez meu eu-fã nascer, tem uma apresentação afinada, bem coreografada e dá vontade de dançar com Ivete e Alejandro Sanz. “Quando a Chuva Passar”, “Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim” (dessa vez sozinha), “Eu Sei Que Vou Te Amar” e “Deixo” fazem parte da linha romântica e a cantora vai às lágrimas ao agradecer a presença dos fãs entre uma canção e outra. É, sem dúvida alguma, meu DVD favorito da Ivete e me faz chorar todas as (muitas) vezes que assisto.

E então vem Pode entrar (2009), um álbum gravado no próprio estúdio de Ivete, em seu apartamento em Salvador. Considerado por mim como o DVD mais intimista dela, Pode entrar traz participações de cantores de diferentes gêneros musicais — Lulu Santos, Aviões do Forró e Maria Bethânia, apenas para citar alguns — e fragmentos da vida cotidiana da cantora: um café da manhã com a irmã, fotos sobre a estante, um beijo com o marido flagrado pelas câmeras. Ainda que o axé esteja presente no álbum, sua participação é menor: “Balakbak”, “Cadê Dalila”, e “Base do Beijo” são delicinhas chicletes para puxar o trio elétrico, mas o resto do DVD é composto por baladinhas em ritmos que flertam com algo mais. “Agora Eu Já Sei” e “Meu Segredo” ocupam o lugar do romance doce e arrebatador. O DVD se encerra com uma parceria muito acertada: em “Muito Obrigado, Axé”, Ivete e Maria Bethânia cantam o que talvez seja minha música favorita. Em versos simples e belos, elas falam sobre deixar as armas e trazer orquestra, e colocam a alma em cada nota cantada. A expressão da Ivete ao encarar Bethânia é de felicidade e realização, como uma criança feliz, o que me arranca sorrisos cada vez que eu assisto. Vale a pena citar o extra do Pode entrar, aliás: “Fã” é cantada na praia, com violão e fãs sentados na areia, assistindo.

Já em 2010, temos uma Ivete Sangalo internacional: no Multishow ao vivo – Ivete Sangalo no Madison Square Garden, a cantora encara um público de 15 mil pessoas. Mas, apesar de estar em território estadunidense, Ivete deixa claro nas duas primeiras músicas escolhidas de onde veio e quem ela é: com “Brasileiro” e “Aceleraê” o recado é simples — aquele é o dia dela. Ainda assim, músicas em inglês não são deixadas de lado, e temos covers de “Human Nature”, de Michael Jackson, e “Easy”, de Lionel Richie, e a inédita “Where it Begins”, composta e cantada com Nelly Furtado. Por falar em participações, o show conta ainda com Juanes em “Darte”, Seu Jorge em “Pensando em Nós Dois” e Diego Torres em uma regravação metade em espanhol de “Ahora Ya Sé (Agora eu Já Sei)”. O momento de maior emoção é na introdução de “Me Abraça”: famosa música de quando Ivete estava na Banda Eva, a cantora deixa os fãs cantarem o princípio da música, erra a letra, vai às lágrimas e, chorando, diz o quanto aquele show é importante para ela — e essa é uma das apresentações mais lindas que já vi de “Me Abraça”.

Para comemorar os 20 anos de carreira, a cantora volta à Bahia, ao mesmo lugar em que comemorou seus 10 anos: o estádio Fonte Nova é o palco da gravação do DVD duplo Multishow ao vivo – Ivete Sangalo 20 anos (2013). No DVD 1, a cantora vem em ritmo de trio de elétrico, arrasta os fãs de um lado para o outro e coloca todo mundo para pular. Em um repertório que mistura inéditas e regravações completamente animadas, como “Tempo de Alegria”, “Vejo o Sol e a Lua”, “Berimbau Metalizado”, Ivete mostra porque está há 20 anos na boca do povo e com cada vez mais fãs. Mas é usando um vestido branco e as bailarinas vestidas de baianas que eu deito no chão em posição fetal e começo a chorar: Ivete canta “Muito Obrigado, Axé” sozinha, com uma simplicidade e alegria que me desmontam inteira. Já no DVD 2 a gente tem uma mistura de gêneros: romance amorzinho com “No Brilho Desse Olhar”, “Me Engana Que Eu Gosto” (que tem participação de Alexandre Pires e direito a dança dos dois) e o ponto alto, quando Ivete surge em uma plataforma no meio dos fãs e canta “Beijo de Hortelã”, “Faz Tempo” e “Deixo”. Ainda tem, no palco comum, “Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim” e “Quando a Chuva Passar”. Depois Ivetão volta para seu trio elétrico e encerra o show mostrando por que ela é a Presidenta da Bahia.

Por último, mas não menos importante, vem o Ivete Sangalo acústico em Trancoso (2016). Num show mais calmo, Ivete promete fazer um acústico no seu ritmo, sem perder a essência de pular de um lado para o outro. E é exatamente isso que ela entrega em faixas como “Bug, Bug, Bye, Bye”, “Completo” e “Vale Mais”, em que temos uma melodia mais lenta, mas não menos empolgante. Entre as novidades temos “Zero a Dez”, cantada com Luan Santana, e “Mais e Mais”, duas músicas gostosas de ouvir. Eu destaco aqui a regravação de “A Lua Q Eu T Dei”, cantada ao lado das crianças do time de Ivete no The Voice Kids. A música, que já é linda, ganha um tom ainda melhor a cada voz que se soma a ela, e eu fico só os sentimentos, jogada no chão, olhando pro nada e pensando “Meu. Deus”.

Aliás, esse é o sentimento que passa por minha cabeça agora, depois de ouvir novamente todos esses álbuns para falar sobre: Meu. Deus. Ivete é a Rainha do País e não é à toa que eu sou sua fã.

 

 

Para quem se animou com a pauta, fizemos uma playlist no Spotify!

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